O que a sociedade brasileira vem de fato construindo para garantir às nossas meninas um futuro mais justo? Com infâncias e juventudes mais protegidas, que permitam às gerações estudar, brincar e ter os direitos básicos, como saúde, educação, moradia e alimentação, assegurados? Sempre é oportuno lembrar uma das máximas do feminismo, de que a luta das mulheres é principalmente para garantir um futuro digno, mais justo e igualitário para as futuras gerações de meninas.

Em 2023 a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em sua pesquisa “As múltiplas dimensões da pobreza na infância e adolescência no Brasil”, mostrou que ao menos 32 milhões de meninas e meninos vivem na pobreza (representando 63% do total de pessoas que vivem nesta condição), em suas mais diversas dimensões: renda, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação.

Ainda para entendermos um pouco mais do cenário de falta de oportunidades e direitos assegurados que permitam às adolescentes e jovens um futuro mais digno, através da educação, dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Unibanco, em 2015, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), mostrou que no Brasil há mais de 1,7 milhões de meninas e mulhes entre 15 e 29 anos que não completaram o ensino médio, não estudam e nem exercem uma atividade remunerada. Este dado representa o dobro (26%), quando comparado aos jovens e homens na mesma situação, com 12,7% dos casos.

Dentre os fatores estão: a divisão sexual do trabalho, em que as meninas são as maiores responsáveis pelos cuidados domésticos com irmãos menores e demais atividades para que sua mãe possa trabalhar fora, e a gravidez precoce, responsável por um alto índice de evasão escolar (29,6% dos casos de evasão).

Neste ponto, podemos trazer duas grandes problemáticas: a falta de acolhimento no ambiente escolar e creches suficientes, reforçados pelo estigma e o preconceito de serem mulheres jovens e mães; e a ausência de políticas públicas que garantam a educação sexual e reprodutiva nas escolas, que eduquem para a proteção contra doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez precoce. Para todos estes dados, quando adicionamos a raça como fator determinante, os agravamentos são maiores, em decorrência do racismo institucional, que invisibiliza e vulnerabiliza ainda mais meninas e jovens negras no nosso país.

Todos estes dados, quando analisados juntos, refletem um presente cheio de ausências na vida das meninas e jovens; com direitos violados, dentro e fora de suas casas, muitas vezes sem proteção familiar, institucional e social. Qual futuro está reservado para elas? O que nós, enquanto sociedade, precisamos mobilizar para garantir que o futuro para elas seja mais igualitário, protegido, em que possam ter direito a sonhar uma vida melhor?

Há um provérbio africano que diz: “É preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança”. Este ensinamento é um chamado para que todos nós, sociedade, família, governo e instituições, estejamos verdadeiramente comprometidos com a proteção, o cuidado e o futuro das nossas meninas. Para isso precisamos garantir a efetivação de políticas públicas que assegurem direitos básicos: a educação de qualidade, com respeito, equidade, inclusão racial e de gênero, com escolas preparadas para ensinar e acolher as crianças em suas necessidades e direito; com educação sexual e reprodutiva e espaços seguros, em que estejam protegidas dentro das escolas, e consequentemente fora dali.

 

Estupros contra meninas

Desde 2019, quando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a separar os dados do crime de estupro daquele praticado contra vulneráveis (violência sexual praticada contra crianças e adolescentes menores de 14 anos), foi possível enxergar que 53,8% dos casos gerais de estupro, eram praticados contra meninas com até 13 anos. De lá pra cá, este número só vem aumentando: em 2020 subiu para 57,9% e em 2021 para 58,8%. Estes dados do Anuário de Segurança Pública de 2022 mostram ainda que 85,5% dos casos deste tipo de violência são praticados contra meninas e 82,5% dos violadores são conhecidos destas crianças e adolescentes, e estão dentro de suas casas e no ambiente familiar.

Ao desagregar este dados, o Fórum direciona a sua análise para entender as violações praticadas contra as crianças e adolescentes, e com isso, joga luz em cima de uma realidade estarrecedora: de que nós não estamos protegendo estas crianças, em especial as nossas meninas, maiores vítimas desta violência de gênero.

Que nós, enquanto sociedade possamos olhar para cada criança, adolescente e jovem como passível de cuidado, sem sermos paralisados pelo estigma e pelo racismo, sendo uma responsabilidade não apenas da família, que também precisa do suporte do estado para conseguir cuidar de suas crianças: da assistência social, de salário e renda para garantir comida no prato e acesso à saúde para cuidar de suas meninas.

A luta que se faz no presente, permite, assim desejamos, que meninas e jovens, possam crescer em sociedades que promovam seu bem-estar, proteção e autoestima, como bases inegociáveis em prol da igualdade de gênero.

 

E o mais importante que nós, enquanto sociedade, possamos desconstruir o machismo, o racismo e tantos outros preconceitos que moldam a nossa forma de ver e viver o mundo; comprometidos em não mais reproduzir violências físicas, emocionais e sexuais contra as nossas meninas e jovens, para que elas possam crescer e viver uma vida livre de violência, dentro e fora de suas casas.

É preciso um chamado, em que eu, você, e todas e todos nós possamos nos aldear e irmanar para cuidarmos de todas elas e num futuro, que não seja tão distante, possamos viver novos tempos, em que toda luta travada pelas mulheres possa, enfim, ser parte de um passado de resistência, pois o presente será de bem viver para todas elas.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.