Eu sempre pautei minha vida como se fosse uma planilha. O meu dia a dia sempre fluiu de modo muito cartesiano. Organizar me dava prazer e bem-estar. Pois bem, encerrei minha carreira. De início cogitei buscar outro trabalho, mas depois pensei – melhor não, vou dar uma pausa. Meu filho estava na faculdade e trabalhava. Eu e meu marido estávamos um uma situação econômica muito confortável que me permitia fazer escolhas e agora tinha tempo. Refleti – posso ficar na poltrona se quiser – olhando o jardim, vendo filmes e documentários, ouvindo minhas músicas prediletas, tudo com muito conforto. Mas de repente dentro de mim surgem um pajé e um cacique que, numa discussão acirrada, conseguiram lascar tudo. Um vazio se apoderou de mim. Fiquei com saudades do mundo, de viajar, de ter liberdade. Conversei com o meu marido, compramos uma Pick-up e um Camper.
Meu marido adorou a ideia de viagens mais longas, era jornalista e me disse – poderíamos fazer vídeos e escrever sobre lugares e experiência. Tudo certo, o sonho em ação.
Meu pai adoece – sintomas, Alzheimer.
Não havia meio de expressar meus sentimentos sem parecer bêbada ou desvairada. Eu mal tinha coragem de respirar. O medo tomou posse de mim. Era como se eu fosse apagando uma vida, ainda viva. Em momentos como esses eu queria correr, em vez de caminhar, como se assim pudesse engolir o tempo e tudo pudesse deixar de existir. Pensei: vou viver uma agonia de cada vez. Sei que vou mergulhar num poço sem fundo e que preciso ir entendendo pouco a pouco.
Entendi que precisava conversar com meus irmãos – a conversa foi boa, dividimos e organizamos os dias, de modo que um de nós estaria ao lado de nosso pai. Nem tudo que eu desejava seria possível. Dois dias por semana serão dedicados ao meu pai e cinco dias serão meus.
A pick-up e o Camper vão sair do exílio compulsório.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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