A irresistível deusa do Amor da música do Olodum, lançada ao status cult na voz estonteante de Moreno Veloso, fica mais fervorosa agora em junho. Afinal no dia 12 celebramos uma espécie de carnaval fora de época do romance, um dia dos namorados “extra” que só existe no Brasil e sem o famoso São Valentim – o santo que o mundo inteiro consagrou como padroeiro dos namorados, no dia 14 de fevereiro, o Valentine´s Day. Aqui a comemoração foi cravada em outra data, véspera do santo casamenteiro, o tão esperado Santo Antônio de Lisboa.
Essa introdução que eu trouxe até aqui nada tem a ver, ou muito talvez tenha, com o que escrevo abaixo pois, de certa forma, o fato de eu ter nascido no dia 12 de junho pode me trazer certa propriedade sobre o tema e ainda, sendo geminiana, boa parte desses 40 anos ando assim, concordando e discordando de mim mesma ao mesmo tempo agora.
Sempre achei o dia dos namorados uma data meio boba, uma forçação de barra, e com o passar do tempo também comecei a considerá-la até mesmo preconceituosa. Tá bom, aparentemente posso parecer uma feminazi ativista de boutique com esse depoimento, mas minha perturbação impede que me enquadre em tal classificação e faz com que eu realmente seja apenas uma autêntica geminiana, achando tudo ao mesmo tempo o máximo e uma desgraça.
De fato, aqui no Brasil, o dia foi criado em uma ação publicitária em 1948, inspirado no modelo gringo e lançado com o slogan “não é só com beijos que se prova o amor” – e eu completaria… é com compras!!! Pois é, era exatamente nisso que eles queriam chegar, criar uma data comercial para incentivar o consumo, mas a nossa diferença com o resto do mundo está no tipo de Santo. O dia dos namorados acontece um dia antes da comemoração do casamenteiro Santo Antônio e não foi à toa que nossos publicitários pinçaram a data em tal momento do calendário.
Me parece que na cabeça deles, e no senso comum geral da época, no final dos anos 40, quem namorava queria “desesperadamente” casar – e isso me traz uma pulga atrás da orelha. Tendo sido o casamento gay somente reconhecido só em 2011, teríamos passado mais de 60 anos legitimando uma comemoração que, de forma legal, poderia se aplicar apenas a um “tipo de casal”, já que todos os outros estariam de penetras nessa festa?
E ainda seguindo o raciocínio de que quem namora quer casar… a parte do desespero pelo matrimônio estaria dedicada apenas às mulheres, devotas de Santo Antônio? Me parece que sim… afinal ainda vivíamos no auge de uma sociedade machista, no final dos anos 40. Só em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, vivemos o primeiro avanço histórico desde o Código Civil de 1916. Quando o dia dos namorados foi criado pelo comércio brasileiro, nós mulheres ainda precisávamos da autorização legal dos maridos para trabalhar, por exemplo. Talvez por essa origem a história da data aqui no Brasil sempre tenha me parecido arcaica e preconceituosa.
Dito isso queria deixar claro que tem um lado meu que também adora o 12 de junho. Nasci nele e na maior parte dos meus dias tenho autoestima e acho uma maravilha viver, embora em outros momentos possa estar o puro suco da irritação e mau humor acrescentado de um ódio pessoal violento, mas isso faz parte e é culpa dos astros – preciso culpar algo por isso porque senão seriam coisas demais para lidar.
Tirando tais flutuações, geminianas ou não, como já visto de forma explícita nesse relato, nunca consegui me relacionar muito bem com a data comemorativa dos namorados, e com o que ela incita em questão. Assim hoje prefiro ficar com as deusas do amor do Olodum na voz sexy do Moreno Veloso… Mas vejam, depois de uma breve pesquisa no google sobre as deusas que motivaram a canção, encontrei apenas uma (!) representada por uma divindade preta, e preciso dizer que ela é a mais legal e real de todas, por sinal, a haitiana Erzulie Dantor. É… temos muito para melhorar.
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