Presidente da central da Caatinga, jovem cria modelo de sobrevivência no Sertão baiano

Presidente da central da Caatinga, jovem cria modelo de sobrevivência no Sertão baiano

Filha de agricultores familiares, catadores de umbu, Denise Cardoso nasceu na comunidade tradicional de Fundo de Pasto de Caladinho, no município de Curaçá, na Bahia, e conviveu desde sempre com a escassez hídrica e a insegurança alimentar, tão características do sertão nordestino. Mas dificuldade nunca foi sinônimo de impedimento para essa menina que, mesmo longe dos grandes centros urbanos e da “sociedade do espetáculo”, se deu permissão para sonhar.

Ainda na infância Denise acompanhava a mãe, dona Domingas, nos primeiros cursos ministrados na comunidade, pelo IRPAA, Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada. Naquela época, ajudava as outras mulheres fazendo doces, geleias e compotas. Teve a oportunidade de observar de perto a criação da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc).

No sertão da Bahia, há quase 20 anos, essa cooperativa nasceu da união de algumas mulheres que desejavam organizar a produção e a comercialização dos alimentos que cultivavam, procurando romper o patamar da submissão e ter acesso a uma renda minimamente digna.

A jovem baiana começou a trabalhar cedo, aos 14 anos, quando foi criada uma minifábrica da Coopercuc. Seu pai, Ariovaldo, era o coordenador do grupo de beneficiamento e, como não sabia ler nem escrever, recebia a ajuda da filha nas atividades – ela preenchia as fichas, organizava todo o processo produtivo e ajudava na rotulação dos produtos.

Denise trabalhava e estudava, quando aos 18 anos assumiu a coordenação de produção da minifábrica. Como coordenadora, ao longo de cinco anos, fazia o papel de intermediadora, uma ponte entre o grupo da comunidade e o setor de produção. Nessa mesma época, assumiu por dois mandatos a presidência da Associação Agropastoril da Fazenda de Caladinho.

Dedicou-se efetivamente às causas comunitárias da região como agente do projeto Sertão Produtivo. Tornou-se referência da causa feminina no cooperativismo, na defesa e preservação da caatinga, bioma exclusivamente brasileiro.

Aos 34 anos, Denise já percorreu uma longa caminhada em defesa da convivência com o semiárido. Ela faz parte da Articulação Estadual de Fundo de Pasto, estudou administração, foi colaboradora do IRPAA e integrou a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia (SEPROMI). Foi a primeira presidente mulher da Coopercuc, com mandato que durou de 2016 a 2022. Durante esse período colocou os produtos da cooperativa no mercado externo, atuou garantido a permanência de sua comunidade nas terras originárias e estimulou fortemente o protagonismo das mulheres, criando caminhos para que, através do trabalho e do incremento da renda, elas alcançassem novos espaços.

A menina de Caladinho ocupa atualmente o cargo de presidente da Central da Caatinga, um centro de comercialização que tem como objetivo conectar cooperativas de agricultura familiar a diferentes mercados do Brasil e do mundo. O desafio dessa moça vai além do ambiental, é humano – e se concretiza através de geração de renda para as comunidades locais, de desenvolvimento sustentável e de alianças que valorizam a agrobiodiversidade do país.

Denise é a verdadeira imagem da mulher brasileira: grávida de oito meses do primeiro filho, segue na rotina de trabalho normal, na batalha pelo sonho de um Brasil mais justo e menos desigual, um Brasil de devires e resistência que desafiam os olhares dos “colonizadores contemporâneos”, que nada compreendem sobre as nossas funduras.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.