“Ana (nome fictício) tem nove anos de idade e vende toalhas de pratos nos restaurantes da maior metrópole do país, São Paulo. Com sua maquininha em punho faz os cálculos das vendas que realiza. Em uma noite chuvosa, ela me ofereceu suas toalhas. Comprei todas que ainda não haviam sido vendidas e disse que não queria as toalhas. Ela poderia ficar com todas e retornar para casa mais cedo. Ana respondeu aflita pedindo que ficasse com as toalhas pois, caso voltasse para casa com elas sua avó daria uma “surra” bem grande… “

“Ana” é uma das milhares de crianças brasileiras que faz parte das estatísticas que desnudam uma das piores mazelas do Brasil: o trabalho infantil. Cenário triste e desolador, sobre o qual poderíamos refletir nesse 28 de janeiro – o dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A mais recente Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) mostra os números alarmantes desta escravidão moderna, que existe e precisa ser combatida.

Segundo dados do IBGE, o Brasil tinha 1,9 milhão de crianças e adolescentes com 5 a 17 anos de idade (ou 4,9% desse grupo etário) em situação de trabalho infantil em 2022. Esse contingente havia caído de 2,1 milhões (ou 5,2%) em 2016 para 1,8 milhão (ou 4,5%) em 2019, mas cresceu em 2022.

Entre 2019 e 2022, a população do país com 5 a 17 anos de idade diminuiu 1,4%, mas o contingente desse grupo etário em situação de trabalho infantil aumentou 7,0%.

Em 2022, havia 756 mil crianças e adolescentes exercendo as piores formas de trabalho infantil, que envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde e estão descritas na Lista TIP. Ainda neste ano as pesquisas indicam que, entre as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, 23,9% tinham de 5 a 13 anos; 23,6% tinham 14 e 15 anos e 52,5% tinham 16 e 17 anos de idade.

Entre os adolescentes com 16 a 17 anos em situação de trabalho infantil, 32,4% trabalhavam durante 40 horas ou mais por semana. As crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil do sexo masculino (65,1%) predominavam em relação ao sexo feminino (34,9%).

Cerca de 76,6% dos adolescentes de 16 e 17 anos trabalhando em atividades econômicas estavam na informalidade, o equivalente a 810 mil trabalhadores infantis informais. Foi o maior percentual de informalidade para esse grupo desde o início da série histórica, em 2016. A proporção de pretos ou pardos em trabalho infantil (66,3%) superava o percentual desse grupo no total de crianças e adolescentes do país (58,8%). Já a proporção de brancos em trabalho infantil (33,0%) era inferior à sua participação (40,3%) no total de crianças e adolescentes.

O rendimento das meninas em situação de trabalho infantil (R$ 639) era equivalente a 84,4% do rendimento dos meninos (R$ 757) nessa situação. E o rendimento das crianças e adolescentes pretos ou pardos em trabalho infantil (R$ 660) era equivalente a 80,8% do rendimento das crianças e adolescentes brancos (R$ 817) nessa situação.

A PNAD aponta que 32,4% dos jovens de 16 e 17 anos exerciam o trabalho infantil por 40 horas semanais ou mais. As jornadas mais longas eram as dos adolescentes entre 16 e 17 anos: 32,4% deles trabalhavam por 40 horas ou mais na semana.
Observa-se, portanto, que a jornada de trabalho cresce conforme a idade e a maior proporção dos que trabalham de 40 horas ou mais ficou com os adolescentes de 16 e 17 anos. Nesse grupo etário, há o crescimento do abandono escolar, o que pode contribuir para a maior jornada entre parte desses adolescentes.

Outro ponto levantado pela pesquisa foi o contingente de crianças e adolescentes que estavam ocupadas nas piores formas de trabalho infantil, segundo a Lista TIP. A metodologia utilizada foi elaborada com o apoio da OIT, do Ministério da Cidadania, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Ministério Público do Trabalho e do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, entre outras instituições.

A Lista TIP considera as formas de trabalho que mais trazem prejuízos às crianças em seu desenvolvimento. A lista nos ajuda a classificar quais crianças estão em maior vulnerabilidade. Entre as piores formas de trabalho infantil estão as ocupações de vendedor ambulante, lavador de veículo e operadores de máquina, dentre outras. Na lista há atividades da agricultura, da indústria, do comércio e dos serviços.

A PNAD indica ainda que em 2022 havia, no Brasil, 582 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade que realizavam atividade econômica e residiam em domicílios assistidos por programas sociais do governo (Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada – BPC, da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS). Esse contingente representava 35,6% da população de 5 a 17 anos em atividades econômicas.

O módulo trabalho de crianças e adolescentes, da PNAD contínua, é realizado pelo IBGE desde 2016, captando dados sobre as atividades econômicas e a produção para o consumo próprio, as atividades escolares e domésticas feitas por pessoas de 5 a 17 anos. Esse módulo integra as Estatísticas Experimentais.

É importante dizer que, em 2020 e 2021, o tema não foi pesquisado, em razão da mudança na coleta da pesquisa, que passou a ser feita exclusivamente por telefone. Nesse período, foi necessário reduzir o questionário, que previa entrevistas presenciais. A série histórica do módulo, portanto, contempla os anos de 2016 a 2019 e 2022.

Vale salientar também, que os dados divulgados pelo IBGE fazem parte das Estatísticas Experimentais, que devem ser usadas com cautela. O foco principal da pesquisa é a adoção da Resolução IV da 20ª Conferência Internacional de Estatísticos do Trabalho, realizada em 2018, em Genebra.

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil é “aquele que é perigoso e prejudicial para a saúde e o desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças e que interfere na sua escolarização”. Na PNAD os critérios adotados para essa definição foram a faixa etária, o tipo de atividade desenvolvida, as horas trabalhadas, a frequência à escola, a realização de trabalho infantil perigoso e atividades econômicas em situação de informalidade.

A análise das políticas públicas existentes no Brasil é essencial para a eliminação do trabalho precoce, mas é importante também compreender sua estreita ligação com causas materiais que precisam ser enfrentadas. A redução significativa do trabalho infantil entre 2004 e 2015 demonstra esse fato, pois as políticas públicas direcionadas para o seu enfrentamento foram implementadas num contexto de crescimento econômico, atrelado ao desenvolvimento social, sobretudo ao fortalecimento das políticas e programas de assistência social e educação, e à melhoria das condições gerais de trabalho, inclusive com o aumento da formalização e a elevação real do salário-mínimo.

Esse ambiente de incremento do PIB e a melhor estruturação do mercado de trabalho impactaram sobretudo os aspectos constitutivos do núcleo duro do trabalho precoce, na medida em que houve diminuição da pobreza familiar e crescimento significativo de postos formais de trabalho, alcançando os trabalhadores jovens. O desafio está posto. Cabe aos governos assegurar uma infância digna e protegida por políticas públicas de Estado. A Sociedade Civil tem o papel de monitorar as ações públicas e denunciar a prática deste crime.

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O Disque 100 recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos relacionadas aos seguintes grupos e/ou temas:

Crianças e adolescentes.
Pessoas idosas.
Pessoas com deficiência.
Pessoas em restrição de liberdade.
População LGBT.
População em situação de rua.
Discriminação ética ou racial.
Tráfico de pessoas.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.