A situação da exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, no Pará, é grave e demanda atenção – mas é importante discernir informações verdadeiras das falsas para evitar disseminação de desinformação. A região enfrenta desafios estruturais, como a falta de políticas públicas eficazes e baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que contribui para a vulnerabilidade das crianças e adolescentes.

Organizações locais destacam a importância de não se estigmatizar a população marajoara e a necessidade de as autoridades direcionarem esforços para soluções concretas, no campo das políticas públicas. Indicam ainda que o programa “Cidadania Marajó”, implementado pelo atual governo federal, é uma iniciativa recente voltada para enfrentamento da exploração sexual e vulnerabilidades que afetam as crianças e adolescentes.

A vulnerabilidade das crianças e adolescentes é exacerbada pela pobreza e pela falta de acesso a serviços básicos. Portanto, é primordial que autoridades locais e organizações atuem de forma coordenada para combater essa forma de violência e garantir a proteção dos direitos dessas crianças e jovens.

O tema exploração sexual infantil emergiu há alguns dias, após a música “Evangelho de Fariseus”, da cantora gospel Aymeê, viralizar na internet, ao citar diretamente o arquipélago paraense e supostas violações de direitos humanos. Este vídeo teve mais de 11 milhões de visualizações, servindo de alerta para uma questão gravíssima. Trouxe em seu conteúdo que a violação de direitos na região é “naturalizada” – o que é repudiado por organizações que atuam no Marajó – e que haveria também tráfico de órgãos na região, o que foi desmentido pelo Ministério Público Federal.

Após a repercussão do vídeo, 13 promotores de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, responsáveis pela investigação e recebimento de denúncias, emitiram uma nota oficial esclarecendo que “não há qualquer notícia de crimes relacionados a tráfico de órgãos”.

Organizações que atuam há mais de uma década na ilha do Marajó, a exemplo do Observatório do Marajó e da Cooperação da Juventude Amazônica para o Desenvolvimento Sustentável, destacam que, ao misturar mentiras e verdades, a pauta foi usada novamente para disseminar desinformação. Segundo estas organizações, vincular de maneira indevida o arquipélago do Marajó com a chaga da exploração sexual infantil é uma distorção sem precedentes. Fato este que gera pânico e vulnerabiliza ainda mais toda a comunidade local.

Em nota intitulada “Não acredite em tudo o que vês na internet”, o Observatório argumenta que “a propaganda que associa o Marajó à exploração e abuso sexual não é verdadeira: a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara”.

“Enquanto ministra de Estado, Damares Alves não destinou os recursos milionários que por diversas vezes prometeu para a região, para fortalecer comunidades escolares. Ao invés disso, atentou contra a honra da população diversas vezes, espalhando mentiras, e abriu tais políticas públicas para grupos privados de São Paulo que defendem a privatização da educação pública”, relata o texto da organização.

Vale lembrar que, ao criar o programa “Abrace o Marajó”, a atual Senadora da República Damares chegou a simplificar o problema local ao dizer que o abuso das crianças era por “falta de calcinhas”. Em discurso proferido em 2022, sobre supostas práticas de tortura e mutilação de crianças para abuso sexual no Marajó, ela alegou possuir evidências, mas os casos nunca foram comprovados. Tempos depois, Damares declarou ao Ministério Público Federal que as denúncias se baseavam apenas em relatos, não em provas. Diante disto, o MPF alegou propagação de fake news, exigindo retratação pública e uma indenização de 5 milhões de reais por danos sociais e morais à população do arquipélago.

O fato é que a situação do arquipélago do Marajó é comprovadamente grave. O Estado do Pará registra uma média de cinco casos de abuso e exploração sexual infanto-juvenil por dia, número acima da média nacional, conforme divulgado pelo Ministério Público Federal.

O Arquipélago, que possui cerca de 590 mil habitantes, apresenta o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal do Brasil, de 0,418. A falta de políticas públicas estruturantes afeta até mesmo a coleta de dados oficiais sobre o crime de exploração sexual praticado contra crianças e adolescentes, especificamente no Marajó.

A exploração sexual de crianças e adolescentes na Ilha de Marajó, no Pará, é um problema grave e preocupante. Assim como o é em quase todo o território nacional. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking da exploração sexual de crianças e adolescentes, estando apenas atrás da Tailândia.

Por ano, segundo o Instituto Liberta, 500 mil crianças e adolescentes são vítimas da exploração sexual no Brasil. A pesquisa reúne dados obtidos através de estudos realizados por organizações da sociedade civil e informações oficiais. Os resultados estimularam a criação da campanha de sensibilização realizada pelo Instituto Liberta, em parceria com instituições que atuam na linha de frente com o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Os dados mostram que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil – no entanto, esse número pode ser ainda maior, já que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. A subnotificação é uma mácula que dificulta ainda mais o enfrentamento deste tipo de crime.

O estudo ainda esclarece que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras. Elas são vítimas de espancamentos, estupros, estão sujeitas ao vício em álcool e drogas, bem como Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

O levantamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais Brasileiras também apontou dados alarmantes, entre 2019 e 2020. Este estudo indica que existem cerca de 3.651 pontos vulneráveis nas rodovias federais, sendo que 470 foram classificados como críticos.

A maioria desses pontos está no Nordeste (1.079), Sul (896), Sudeste (710), Centro-Oeste (531) e Norte (435). Do total, 60% são em áreas urbanas, especialmente em postos de combustível às margens de rodovias.

Por oportuno, vale destacar o estudo de prevalência realizado em 2023 pelo The Freedom Fund, que estimou que somente na região metropolitana do Recife (RMR), no estado de Pernambuco, cerca de 20.000 meninas são exploradas sexualmente.

É necessário esclarecer que a maioria da população associa mais a violência sexual como o abuso, excluindo a exploração que, em geral, é responsável por situações em que ocorrem trocas mercantis. Os dois casos são uma grande violação de direitos fundamentais.

  • Abuso sexual geralmente é aquele que:

  • não envolve dinheiro;
  • acontece quando uma criança ou adolescente é usado para estimulação ou satisfação sexual de um adulto, podendo ou não possuir contato físico;
  • é normalmente imposto pela força física, ameaça ou sedução;
  • pode acontecer dentro ou fora da família.

 

  • Exploração sexual é aquela que:

  • pressupõe uma relação de mercantilização, na qual o sexo é fruto de uma troca, seja ela financeira, de favores ou presentes;
  • crianças ou adolescentes são tratados como objetos sexuais ou como mercadorias;
  • pode estar relacionada a redes criminosas.
  • Importante ressaltar que, dentre as formas de exploração estão a pornografia, tráfico para fins sexuais, exploração sexual agenciada (quando há terceiros intermediando) e exploração sexual não agenciada (geralmente em troca de um bem, drogas ou serviços).

Neste sentido, é preciso que tenhamos um olhar amplificado para esses crimes contra crianças e adolescentes. No caso da exploração sexual, geralmente estes são retratos e reflexos da situação de vulnerabilidade social enfrentada pela criança ou adolescente e sua família, com privação econômica, fome, miséria ou consumo de drogas. 

O Estado, enquanto nação, tem o dever de proteger a infância e juventude. Implementar políticas públicas voltadas para a eliminação deste crime é necessário e, portanto, prioridade nacional. Trata-se de uma questão urgente e suprapartidária. A sociedade civil tem o dever de cobrar e monitorar os governos. A sensibilização e o monitoramento contínuo são fundamentais para enfrentar esse desafio complexo e preservar a dignidade e o bem-estar de todas as crianças e adolescentes no país.

Referências

Disponível em: https://www.childfundbrasil.org.br/blog/brasil-ocupa-segundo-lugar-em-ranking-de-exploracao-infantil/ Acesso em 25/02/24
Disponível em: https://contilnetnoticias.com.br/2021/07/brasil-e-o-segundo-no-mundo-na-exploracao-sexual-de-criancas-e-adolescentes/ Acesso em 25/02/24
Disponível em: https://freedomfund.org/ Acesso em 25/02/24
Disponível em: https://ipea.gov.br/portal/ Acesso em 25/02/24
Disponível em: https://www.instagram.com/p/C3qCC8aAVLY/?igsh=MXA1eno3Zmw2d2MwcA== Acesso em 25/02/24

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.