Sofrer com cólicas menstruais terríveis, que chegam a impossibilitar os estudos e o trabalho. Sentir dores também na relação sexual, que aumentam com o passar dos anos, a ponto do sexo se tornar um motivo de angústia e não de prazer. Esses são os sintomas mais típicos da endometriose, uma condição crônica que afeta entre 10 a 15% de todas as mulheres, especialmente no período reprodutivo.
Agora imagine sentir essas dores por nove anos antes de se chegar a um diagnóstico. De acordo com um estudo publicado mês passado na revista científica The Lancet, uma das mais prestigiadas do mundo, essa é a média de tempo que leva até uma mulher receber o diagnóstico da doença. A pesquisa mostra que 78% delas viveram situações em que um ou mais médicos negligenciaram os relatos dos sintomas – dizendo que elas estavam exagerando ou comentários similares (um aumento em relação à pesquisa anterior feita em 2020) – e 70% passaram por cinco ou mais consultas antes de saberem qual era o motivo de tanta dor.
Também é alarmante a constatação dos pesquisadores de que 20% das pacientes realizaram mais de 10 consultas ginecológicas até que pudessem dar um nome a seu sofrimento – e, portanto, obter o tratamento necessário.
Esse atraso tem impactos profundos, pois a convivência com dores crônicas e cíclicas afeta as relações com os parceiros, a trajetória profissional, e também a vida social. Além disso, a ausência de uma intervenção adequada ocasiona uma piora dos sintomas, dificulta o tratamento e pode levar a danos permanentes, que incluem a infertilidade.
Embora o estudo tenha sido realizado no Reino Unido, onde a medicina é praticada de maneira diferente daqui, uma vez que a primeira avaliação da paciente é realizada por um clínico geral e não pelo ginecologista, a situação brasileira também preocupa. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) constatou uma média de cinco anos até que a mulher receba o diagnóstico da doença – melhor que no exterior, mas ainda assim inquietante.
As causas da endometriose ainda são desconhecidas. Ela acontece quando o tecido que reveste o útero, chamado endométrio (aquele que descama durante a menstruação), cresce em outros lugares do corpo. Isso pode acontecer no peritônio (membrana que reveste os órgãos abdominais), nos ovários (criando cistos conhecidos como endometriomas) ou em estruturas profundas, como ligamentos do útero, ureter, bexiga e intestino. Pode existir também uma condição semelhante, chamada adenomiose, em que a lesão se encontra dentro da parede do útero.
Com tantos locais de implantação e diferentes graus de comprometimento, a endometriose é uma doença que apresenta uma gama de sintomas bastante diversa e com graus variados. Além das cólicas extremamente dolorosas e das dores na relação sexual, podem existir ainda sangramentos urinários e/ou intestinais durante a menstruação, além da infertilidade.
É inaceitável que, ainda nos dias de hoje, com a quantidade de informação disponível, tantas mulheres sejam taxadas de caprichosas ou subestimadas quando estão relatando seus incômodos. O estudo serve de alerta para os médicos, de que é fundamental manter sempre os ouvidos bastante atentos às queixas das pacientes. Mas o sinal de atenção também vale para as próprias mulheres, para que tenham consciência de que dor não é normal – precisa ser averiguada e investigada para minimizar o sofrimento, físico e psicológico, e evitar maiores consequências futuras.
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