ARTIGO de DÉBORA ARANHA*

O grupo de engajamento de mulheres do G20, o Women 20 (W20), reuniu-se agora no início de outubro, no Rio de Janeiro, para concluir o Communiqué, um documento com recomendações fundamentais à Presidência do G20 – principal fórum de cooperação econômica internacional. O Brasil coordenou o processo, liderando o consenso e o diálogo com 65 representações femininas de 20 países.

Um tema central permeou as discussões: a grande desigualdade que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho. Globalmente, a participação média das mulheres na força de trabalho é de 47%, sendo que em alguns países fica abaixo de 30%. Recebem remuneração menor do que os homens, pensões menores, enfrentam discriminação, violências e dificuldade de conciliar o trabalho com tarefas de cuidados, que ainda recaem majoritariamente sobre elas – duas vezes e meia mais do que sobre os homens. Essas desigualdades tornam nossas sociedades menos resilientes. Segundo a ONU Mulheres, o mundo perde 10 trilhões de dólares ao ano por não agir para acabar com a desigualdade de gênero.

Na Cúpula de Brisbane, realizada na Austrália em 2014, os países do G20 concordaram com o objetivo de reduzir a diferença nas taxas de participação no mercado de trabalho entre homens e mulheres em 25% até 2025, para trazer mais 100 milhões de mulheres para a força de trabalho, aumentar significativamente o crescimento global e reduzir a pobreza e a desigualdade. Porém, os últimos anos têm sido de retrocessos dos direitos das mulheres em todo o mundo. Estamos a um ano do prazo final dos compromissos de Brisbane, mas pouco se avançou, e metade dos países está longe de cumprir as metas.

A falta de orçamento e planos de ação concretos têm dificultado o progresso em direção à igualdade de gênero. Além disso, nenhum país avançou significativamente no combate ao racismo. O Brasil, segundo país de maior população negra do mundo, adotou voluntariamente o 18º ODS de combate ao racismo, mas a maioria da população negra no país permanece sem o pleno acesso a direitos.

A construção do Communiqué se focou em cinco pilares estratégicos, que são prioritários para se progredir na igualdade de gênero: mulheres empreendedoras – acesso a financiamento, capital e mercado; mulheres em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática); economia do cuidado; justiça climática e enfrentamento à violência contra as mulheres. A interseccionalidade, em especial raça e etnia, permeou todos os pilares.

Alguns destes temas, como mulheres empreendedoras, vêm sendo discutido há muitos anos, mas precisam avançar mais. Outros como a justiça climática tornaram-se urgentes, devido às transformações que o mundo tem passado. Estima-se que as mudanças no clima podem empurrar até 158,3 milhões de mulheres e meninas para a extrema pobreza – 16 milhões a mais do que homens e meninos. Além de outras 310 milhões para situação a pobreza. Mulheres negras, quilombolas, rurais e indígenas são impactadas de forma desigual.

Nós mulheres estamos na linha de frente das mudanças climáticas e por isso também temos as soluções e devemos estar representadas nos fóruns que refletem sobre ações para mitigá-las. As respostas não serão fáceis e precisaremos buscar alternativas para os desafios que vamos ter pela frente. O financiamento aplicado às respostas climáticas precisa ser sensível à gênero. Os instrumentos de blended finance (financiamento misto) são uma tendência mundial crescente e precisam considerar as perspectivas de gênero. De fato, não apenas o financiamento climático, mas o investimento em geral em negócios liderados por mulheres, precisa aumentar.

Calcula-se que investir em negócios de mulheres teria o potencial de desbloquear 2,5 a 5 trilhões de dólares na economia global. A mulher com o dinheiro reinveste na educação dos filhos, na sua comunidade, faz o dinheiro circular de forma muito positiva. Porém menos de 2% do investimento em venture capital vão para empresas lideradas por mulheres. Apesar disso, estudos mostram que se tem um retorno 30% maior quando o investimento é feito em startups ou empreendimentos com mulheres na liderança.

A economia de cuidado ganhou destaque significativo nas recomendações deste ano. As mulheres realizam 76% do trabalho de cuidado não remunerado no mundo. Priorizar a economia do cuidado irá avançar o progresso na igualdade de gênero e empoderamento econômico para mulheres e gerar retornos significativos para a economia e na criação de postos de trabalho. Para isso, o primeiro passo é reconhecer e valorizar esse trabalho. O tempo em trabalho não remunerado precisa ser transformado em remuneração ou participação na vida pública.

Por fim, promover a corresponsabilidade, uma divisão mais justa de tempo de cuidados entre homens e mulheres. A população mundial está envelhecendo e necessitará cada vez mais de cuidados de qualidade e acessíveis para todas as pessoas, e serão necessárias políticas públicas que assegurem políticas de proteção social amplas para todos.

Nas áreas STEM, as mulheres continuam com dificuldade de acesso, permanência e ascensão nas carreiras – são apenas 35% das graduandas de todos os cursos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Precisamos de novos modelos para que meninas entrem, permaneçam e avancem nas carreiras STEM. Muitas vezes essas áreas são muito masculinizadas e hostis para a permanência das mulheres.

Os avanços recentes da inteligência artificial trazem novos desafios. Mulheres têm mais probabilidade de perder postos de trabalho para a IA do que homens, e de serem impactadas negativamente pelos algoritmos de IA. É preciso avançar em uma plataforma ética para inteligência artificial.

O enfrentamento à violência contra mulheres e meninas é outra prioridade urgente destacada no documento. Estima-se que a violência de gênero tenha impacto econômico em 3,7% do PIB global, e cerca de 1 em 3 mulheres enfrente violência física ou sexual na sua vida. É necessário avançar nas políticas e legislações que garantam a proteção das mulheres e meninas, previnam feminicídios e violência de gênero.

Em tempos de retrocessos crescentes, conflitos e guerras internacionais, o W20 deixa para o mundo uma mensagem de que é possível alcançar avanços significativos até o final de 2030, prazo estabelecido para os ODS. Mas para isso, a urgência é fundamental. Nós mulheres não queremos esperar 137 anos para eliminar a pobreza, ou esperar até 2063 para alcançar a equidade de gênero. É preciso que os líderes do G20 ajam já!

*Débora Aranha é Cientista da computação e liderança social, representante do The Freedom Fund no Brasil.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da IstoÉ