‘Teto de vidro’: o que a ciência diz sobre a exclusão feminina no topo das empresas

Mesmo com qualificação e resultados, mulheres seguem barradas nas posições mais altas do poder corporativo. Estudos revelam os mecanismos sutis e persistentes que sustentam essa desigualdade

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Apesar de avanços na educação e no mercado de trabalho, mulheres ainda enfrentam obstáculos invisíveis para ocupar cargos de liderança nas empresas Foto: Comstock on Freeimages

Elas são maioria nas universidades, ocupam cargos técnicos e lideram equipes. Mas, ao chegar perto do topo das organizações, as mulheres simplesmente param de subir. Esse bloqueio invisível é conhecido como glass ceiling — ou “teto de vidro” — uma metáfora criada nos anos 1980 para descrever as barreiras silenciosas, porém estruturais, que impedem a ascensão feminina a cargos de poder, mesmo quando as condições de formação, experiência e entrega são semelhantes às dos homens.

Ao contrário de obstáculos explícitos, o teto de vidro não aparece em editais, manuais ou discursos corporativos. Ele se manifesta de forma sutil: em avaliações subjetivas de desempenho, na falta de oportunidades de promoção, na ausência de mentoria, nas redes de relacionamento fechadas, nos critérios não ditos de liderança e, muitas vezes, na percepção enviesada de que mulheres “não estão prontas”. Mais do que um problema individual, trata-se de uma distorção sistêmica, que atravessa empresas, instituições públicas, universidades e o setor político. Ao longo das últimas décadas, diversos estudos se dedicaram a medir, comprovar e propor formas de romper esse teto, e os resultados são reveladores.

Promoção é mais difícil e menos recompensada

Um estudo publicado no Journal of Business Research em 2025, intitulado “Breaking the TMT Glass Ceiling: Myth or Reality?” (Romper o teto de vidro nas equipes de topo: mito ou realidade?) analisou 153 grandes empresas italianas. A pesquisa concluiu que a presença de uma CEO mulher aumenta em 21% a probabilidade de outras mulheres ocuparem cargos de liderança, desde que essa CEO tenha real poder decisório. Quando a liderança feminina é apenas simbólica, como costuma ocorrer em empresas familiares, o efeito é neutro.

Outra pesquisa publicada em 2022 na revista Gender, Work & Organization, sob o título “Equal Pay Behind the ‘Glass Door’? The Gender Pay Gap in Upper Management” (Igualdade salarial por trás da “porta de vidro”? A disparidade de gênero na alta gestão) demonstrou que mulheres em cargos de liderança continuam ganhando menos que seus pares masculinos, mesmo com cargos e responsabilidades equivalentes, indicando que a desigualdade persiste mesmo quando elas “furam” o teto.

O abismo cresce quanto mais alto se vai

A intensificação da desigualdade nos níveis mais altos de hierarquia foi demonstrada no estudo “Gender Wage Gap and the Glass Ceiling Effect: A Firm-Level Investigation” (Desigualdade salarial entre os gêneros e o efeito do teto de vidro: uma investigação em nível empresarial). A pesquisa analisou dados de uma empresa de defesa aeroespacial francesa e identificou que, embora o diferencial salarial no início da carreira fosse pequeno, ele aumentava conforme se subia na hierarquia. Em cargos de alta direção, a diferença chegava a 2,2%, mesmo quando idade, experiência e produtividade eram semelhantes.

Em 2021, a pesquisadora belga Élise Ramaciotti liderou o estudo “The Glass Ceiling for Women Managers: Antecedents and Consequences” (O teto de vidro para mulheres gestoras: antecedentes e consequências), publicado na revista Frontiers in Psychology. A pesquisa entrevistou 320 mulheres em cargos de gerência e identificou que barreiras culturais, avaliações subjetivas e redes de apoio masculinas restritas dificultam a progressão das mulheres. O estudo também apontou que o teto de vidro afeta o bem-estar emocional das gestoras e aumenta a rotatividade em cargos de liderança.

Cotas e transparência ajudam, mas não resolvem tudo

A Noruega foi pioneira ao estabelecer, em 2003, uma lei que exige a presença de ao menos 40% de mulheres nos conselhos administrativos de empresas públicas. Essa política foi amplamente estudada por Adriana Lleras-Muney, professora da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), que analisou seus efeitos sobre a redução da desigualdade. Segundo sua revisão, as cotas funcionaram parcialmente: aumentaram a presença feminina nos conselhos, mas não se refletiram em melhorias significativas para mulheres nos cargos intermediários.

Outra ferramenta mais recente, a transparência salarial obrigatória, tem mostrado resultados promissores. Um estudo de 2020 publicado pelo National Bureau of Economic Research (NBER), intitulado “Transparency and the Gender Pay Gap” (Transparência e a diferença salarial entre os gêneros), analisou empresas britânicas e concluiu que a simples exigência de divulgar faixas salariais reduziu o gap de gênero em até 18%.

E no Brasil?

No Brasil, o cenário também reflete o efeito do teto de vidro. Segundo o IBGE, as mulheres representam cerca de 38% dos cargos gerenciais, mas apenas 17,5% das cadeiras nos conselhos de administração das 500 maiores empresas do país, de acordo com levantamento do Instituto Ethos (2023). Embora a Lei nº 14.611/2023, conhecida como Lei da Igualdade Salarial, tenha estabelecido regras para garantir remuneração igual entre homens e mulheres em funções equivalentes, sua implementação ainda enfrenta desafios na prática, especialmente em cargos de direção.

O país também possui legislações voltadas à equidade na política, como a cota mínima de 30% de candidaturas femininas por partido, mas ainda não há leis federais que exijam participação mínima de mulheres em conselhos ou diretorias de empresas, como ocorre em países europeus. Iniciativas como o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, do governo federal, estimulam boas práticas no setor privado, mas a adesão é voluntária.