Thelma Krug está embarcada no “bonde da esperança”. A menos de três meses da conferência do clima da ONU, que será realizada em Belém, ela demonstrou entusiasmo ao comentar o conceito de “mutirão” lançado pelo presidente designado da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago. Em entrevista ao IstoÉ Sustentável, Krug afirmou que “o mutirão é dizer que todos temos responsabilidade. Todos temos que estar engajados, de uma forma ou de outra, porque nós temos uma parcela de contribuição. Quer seja nas nossas ações domésticas, enquanto cidadãos, quer seja como empresas. Há todo um universo onde cada um de nós tem uma parcela ou é parte dessa equação”.
Aos 74 anos, ela acompanha a história da diplomacia climática internacional por diversos ângulos e conhece profundamente os alertas emitidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC – ela foi vice-presidente do órgão de 2015 a 2023. Antes disso, a cientista, que é matemática por formação, compôs durante uma década a equipe de negociadores brasileiros em discussões sobre meio ambiente e clima, no período entre 2005 a 2015. Em paralelo, ela fez parte do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) por 37 anos e se aposentou da instituição em 2019.
Krug concorreu à presidência do IPCC em 2023, mas não saiu vencedora da disputa. O resultado desfavorável para a brasileira não interferiu na sua missão de promover a ciência. Em entrevista ao IPAM depois de perder a campanha, a cientista foi direta ao descrever sua dedicação: “sem modéstia, tínhamos uma mulher qualificada, com 21 anos de experiência no painel, oito como vice-presidente. (…) Viajei praticamente o mundo todo levando a minha campanha de canto a canto do planeta. Não faltou esforço.”
Enquanto houver clima, haverá trabalho para Thelma. Atualmente, além de percorrer o Brasil e o mundo para participar de seminários e dar palestras, Krug é presidente do comitê diretivo do Sistema Global de Observação do Clima (GCOS) e lidera o conselho científico da COP30, entre outras atribuições. O currículo é extenso, e novas siglas e instituições continuam a ser adicionadas com o tempo.
Testemunha da evolução da agenda climática, que já foi prioridade e também perdeu força em diferentes governos e conjunturas, Krug mantém o otimismo sem perder o senso de realidade. “Busco não ser catastrófica. A questão é difícil, estamos passando por momentos desafiadores e tratar a questão da crise climática vai exigir muito, mas temos que ter uma sinalização de esperança, de que as coisas podem ser diferentes”, afirmou.
Hoje uma das principais vozes da ciência no Brasil e no exterior, Thelma teve um início de carreira desafiador. Em 1969, aos 19 anos, casou-se e, pouco depois, teve seu primeiro filho. A família se mudou para os Estados Unidos, onde o então marido iniciaria o doutorado com uma bolsa do CNPq. Sem recursos para ingressar em uma graduação no exterior, ela ficou em casa cuidando do filho e enfrentando o tédio de uma rotina doméstica. “Fiquei desesperada por não poder estudar”, contou em entrevista ao Museu da Pessoa.
Para custear os estudos, atuou como baby sitter, intérprete para empresários brasileiros e fez trabalhos de datilografia. Com o dinheiro arrecadado, conseguiu se matricular no curso de matemática da Roosevelt University, uma pequena instituição no centro de Chicago, onde pagava disciplina por disciplina. O desempenho acadêmico, sempre com notas máximas, garantiu uma bolsa concedida pela própria universidade.
Em uma época em que era raro ver mulheres nas exatas ou em cargos de liderança, uma de suas primeiras experiências com o machismo envolveu justamente seu retorno aoBrasil. Ao procurar emprego em uma faculdade de engenharia em São José dos Campos, ouviu do diretor que não havia vagas. A situação mudou quando ele reconheceu, na saída da reunião, o então marido de Thelma, a quem ofereceu as mesmas aulas que ela havia solicitado. O diretor explicou a situação ao dizer que a turma era a pior da universidade e que nenhuma mulher havia lecionado para aquele grupo, insinuando que ela não daria conta. Acontratação só veio dias depois, quando a instituição não conseguiu outro professor e resolveu “dar uma chance” a ela.
O mundo mudou – para Thelma e para o clima. Durante a entrevista à IstoÉ, ela destacou sua preocupação com o legado que será deixado às futuras gerações. Além de décadas dedicadas à ciência e à diplomacia ambiental, há hoje um novo elemento que reforça seu compromisso com o futuro: ela é avó de um casal de netos. “Temos que dar esperança para as próximas gerações de que a gente vai fazer, e já estamos fazendo, o suficiente para que eles também possam ter um futuro com qualidade e um futuro melhor”, afirmou. Em sintonia com o espírito da COP30, ela continua puxando sua parte no mutirão climático, sempre movida por aquele mesmo bonde da esperança no qual embarcou há décadas e do qual nunca desceu.