O setor de entretenimento brasileiro pulsa como nunca. Após um período de paralisação por conta da pandemia, os últimos anos foram marcados por uma crescente vertiginosa. Só entre janeiro e junho de 2025, o consumo em cultura e eventos alcançou R$ 68 bilhões, o maior índice desde 2019, segundo a ABRAPE. Mais de 109 mil profissionais hoje têm sua carteira assinada nesse mercado em expansão, um salto de 130,7% em relação ao período pré-pandemia. Em meio a esse cenário efervescente, algumas histórias revelam como a inovação e um olhar plural podem reconfigurar a paisagem cultural do país. A de Ana Amélia Nunes é uma delas.
Veterinária de formação e ex-pesquisadora da Fiocruz, Ana Amélia trilhava caminho na carreira acadêmica. Mas a música falou mais alto. “Sempre tive uma conexão muito grande com música e com arte. Quando terminei o mestrado, tinha duas opções: entrar no doutorado ou mudar. E sou uma pessoa muito de mudança”, lembra. A escolha levou à fundação, juntamente com Potyra Lavor, da IDW, agência que, em menos de seis anos, já assinava alguns dos maiores projetos do mercado, como o Afrorpunk Brasil e o Club Renaissance, evento oficial de Beyoncé no país.
A trajetória da empresa começou em Salvador, abrindo espaço em um setor dominado por homens. “Os chefes homens que eu tive antes sempre me colocavam em lugares menores, de subserviência. As portas que se abriram foram de mulheres”, conta. Hoje, a IDW se destaca também pela forma de liderar. “A gente consegue ter um nível de escuta e de respeito muito maior do que em qualquer empresa em que trabalhamos antes. É um olhar de cuidado com o trabalho do outro, com o caminho que o outro está traçando”, explica. Esse ambiente colaborativo gera impacto direto nos resultados. “Decisões estratégicas são tomadas com muita pesquisa, profundidade e responsabilidade. Muito disso é porque são mulheres na liderança”, afirma.

Palco do AFROPUNK Brasil em Salvador: festival produzido pela IDW que celebra a diáspora negra e conecta artistas consagrados e novas vozes
Agora, Ana lidera produções que movimentam milhões e definem narrativas culturais. O percurso, no entanto, nunca foi linear. Como mulher negra, enfrentou as armadilhas do racismo e do machismo. As experiências vividas e observadas fomentaram o que seria um pilar na empresa: diversidade.
Para Ana, a diversidade gera diferencial competitivo real: não é sobre aparência, mas sobre pluralidade de pensamento, de lugar, de experiência. E isso tem reflexos no produto final. “É óbvio que pessoas diversas vão pensar de forma diferente, e o resultado final será muito mais consistente. Não é uma pastelaria de cabecinhas iguais que vieram da mesma faculdade, do mesmo MBA. Diversidade gera números, resultados e consistência”, explica.
A representatividade vai além dos números. Na IDW, 90% dos colaboradores são pessoas negras e 100% da equipe de comunicação é formada por mulheres LGBTQIA+. Essa configuração não apenas desafia os padrões do setor, como também redefine o que significa criar experiências culturais autênticas e conectadas com o Brasil profundo.
Arte com impacto
No repertório da IDW estão artistas internacionais e nomes que ampliam o espaço da negritude no mainstream. “Quando a gente traz outros artistas negros para ocupar grandes palcos, estamos jogando o holofote para onde deve realmente ir: para a diáspora, para a negritude, para pessoas que estão fazendo arte há muito tempo e nem sempre têm os mesmos espaços”, afirma. A curadoria também valoriza as especificidades regionais. “Não é só porque você viu um personagem na novela que você entende o Nordeste. As gírias mudam, os sabores mudam, os gostos mudam. O primeiro ponto é mergulhar na cultura local.”
Um dos projetos mais marcantes da agência foi o Club Renaissance em Salvador, evento que trouxe Beyoncé ao Brasil. Nele, Ana Amélia e sua equipe enfrentaram o desafio de transportar padrões internacionais de excelência para o contexto local — logística, curadoria, patrocínio, montagem de palco, equipes técnicas — tudo foi pensado para apresentar ao público brasileiro uma experiência à altura. É, até agora, o maior case da agência que começou pequena, mas que já se destaca por operar em grande escala.
Entre os desafios do setor, ela cita a desigualdade de acesso, o custo alto de produção e a necessidade de apoio de marcas. “É muito caro. O cachê do artista é caro, a estrutura é cara. Para manter o ingresso acessível, precisamos de patrocinadores.”
Entre os próximos passos estão o Afrorpunk Brasil, no fim do ano, e novos projetos internacionais. “Cultura brasileira para a gente é tecnologia e o mundo como um todo. Não enxergamos fronteiras como muros altos, estamos desbravando e ampliando rotas para misturar essa brasilidade com outros cantos do mundo”, diz.