Psicólogas brasileiras criam aplicativo para apoiar famílias de pessoas com autismo

Leila Bagaiolo e Claudia Romano apostam na tecnologia para auxiliar quem convive com pessoas do espectro autista

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As psicólogas Leila Bagaiolo e Claudia Romano criaram o aplicativo gratuito Meu Diário TEA para apoiar famílias e cuidadores de pessoas com autismo Foto: Divulgação

Cuidar de alguém com autismo é aprender todos os dias. Entre diagnósticos, informações e rotina, familiares e cuidadores enfrentam uma jornada desafiadora. Inspiradas por essa realidade, as psicólogas Leila Bagaiolo e Claudia Romano desenvolveram o ‘Meu Diário TEA’, um aplicativo criado para apoiar quem vive, na prática, os reflexos do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Disponível gratuitamente para celulares android, o app reúne conteúdos sobre seletividade alimentar, comportamentos desafiadores e comunicação funcional, apresentados de forma personalizada para que cada usuário aprenda no seu próprio ritmo.

“O aplicativo passou por uma fase inicial destinada a avaliar o impacto do aprendizado e a efetividade das atividades oferecidas, ativações que foram embasadas nas nossas pesquisas científicas e experiências clínicas”, explica Leila.

Além dos conteúdos educativos, o ‘Meu Diário TEA’ inclui escalas de autoavaliação que permitem medir a intensidade de comportamentos desafiadores e acompanhar os avanços atingidos.
Para Claudia, o uso do celular pode impactar positivamente a realidade de pessoas sem acesso a atendimentos presenciais, que podem ser auxiliadas pela tecnologia. “O uso do aplicativo não substitui a necessidade de um especialista, mas amplia o acesso ao conhecimento e favorece a adesão e cuidado.”

Juntas, as psicólogas buscam ampliar o número de usuários do aplicativo para dar continuidade às pesquisas e aperfeiçoar os tratamentos voltados a pessoas com TEA.

Da amizade ao empreendedorismo

Leila e Claudia se conheceram na universidade e descobriram o interesse comum pela análise do comportamento. No último ano de faculdade, uma aula sobre desenvolvimento atípico mostrou que ciência e prática podiam caminhar juntas, abrindo caminho para um novo projeto.

Em outubro de 2001, elas deram um passo ousado, formalizaram o Grupo Gradual, clínica pioneira em intervenção analítico-comportamental no Brasil. “A iniciativa surpreendeu. Era raro, quase impensável, que psicólogos se estruturassem como empresa. O comum era atuar de forma individual ou em pequenos grupos informais”, conta Leila.

Ainda estudantes, as psicólogas tiveram contato com o Ambulatório Médico de Especialistas (AME) de São Paulo, durante um estágio não remunerado, atendendo pacientes e participando de pesquisas sob a supervisão da analista de comportamento Paula Braga Kenyon.

Após saírem do ambulatório, Claudia e Leila iniciaram uma série de atendimentos comportamentais em uma sala na universidade, a convite de uma professora. No local, elas alcançaram resultados, consolidaram experiências acadêmicas e participaram de congressos. “O contato direto com os pacientes nos permitiu estruturar um modelo de atendimento que ainda não era abordado no Brasil em relação ao TEA, explica Leila.

Claudia, formada em psicologia e mestre em psicologia experimental, conciliou os estudos e trabalhos enquanto empreendia. Leila, também psicóloga e hoje doutora em psicologia experimental, seguiu uma trajetória semelhante, equilibrando pesquisa, atuação profissional e o crescimento da clínica.

Nesse período, elas cruzaram o caminho de um casal de pesquisadores que retornava dos Estados Unidos, onde trabalhavam com Análise do Comportamento Aplicada (ABA) no tratamento do autismo. “Eles estavam em busca de profissionais que atuassem na área no Brasil”, detalha Leila.

Enquanto estruturavam a clínica em São Paulo, Claudia e Leila ofereciam atendimentos próprios e se dedicavam aos estudos clínicos. “Naquela época, o diagnóstico TEA se restringia ao que hoje chamamos de autismo profundo. As crianças eram diagnosticadas tardiamente e, em geral, apresentavam impactos mais graves por não terem recebido intervenções precoces”, explica Claudia.

As pesquisas mostravam que a intervenção precisava ser intensiva, contínua e, muitas vezes, envolvia uma equipe maior. A abordagem das psicólogas se mostrava eficiente, mas era necessário expandir o atendimento para casa, escola e comunidade. “As crianças chegavam com 5, 7 anos, sem nenhum diagnóstico. Era preciso criar toda a intervenção do zero”, lembra Leila.

Em pouco tempo, a abordagem das psicólogas ganhou visibilidade nacional e abriu portas para novas parcerias. “O médico Salamon Schwarzmann conheceu o nosso trabalho e nos convidou para atender uma família no Piauí”, conta Claudia.

Leila e Claudia precisavam, em poucos dias, avaliar a criança, orientar os pais, formar uma equipe local e deixar estruturado um programa de desenvolvimento. “Desenvolvemos um modelo e o batizamos de incubadora, porque preparamos pessoas próximas para dar continuidade ao atendimento que iniciamos”, destaca Claudia.

Com uma babá treinada pelas psicólogas, a família passou a aplicar as intervenções diariamente, prática inédita na psicologia brasileira. O caso mostrou a força da proposta e abriu caminho para atendimentos mais acessíveis em diferentes regiões e, diante da demanda, a clínica passou a usar tecnologias como o Skype para formar profissionais à distância e ampliar o alcance das orientações.

Efeito gradual

Hoje, mais de duas décadas após iniciarem o trabalho com o Transtorno do Espectro Autista, Claudia e Leila seguem atuando com responsabilidade e sensibilidade, formando novos profissionais e compartilhando conhecimento.
O trabalho mais recente da dupla inclui a criação de uma Nota Técnica com orientações sobre intervenções comportamentais baseadas na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) para pessoas com TEA.