Se você digitar “cientista” no Google Imagens, provavelmente verá uma sequência equilibrada de homens e mulheres em jalecos. Mas, ao observar mais de perto, o que parece uma divisão igualitária na verdade retrata as mulheres, quase sempre, mais jovens. O mesmo vale para “advogada”, “engenheira” e “médica”. Já os homens aparecem mais maduros, com cabelos grisalhos e mais experiência. Segundo uma nova pesquisa publicada na Nature, por cientistas da Universidade da Califórnia, esse fenômeno é muito mais profundo.
A equipe do estudo, intitulado Distorção de idade e gênero na mídia online e em grandes modelos de linguagem, analisou mais de 1,3 milhão de imagens e vídeos da internet e concluiu que as mulheres são retratadas como mais jovens do que os homens, mesmo em profissões nas quais, na vida real, a média de idade é idêntica. Essa distorção visual, que parece inocente, acaba moldando a percepção sobre quem tem autoridade e competência e pode influenciar no mercado de trabalho.
Nas imagens analisadas no Google, mulheres aparecem, em média, 5 a 6 anos mais jovens que os homens em representações de profissões. Em sites como IMDb e Wikipedia, onde é possível verificar a idade real das pessoas retratadas, o padrão se repete: a maioria das mulheres está na faixa dos 20 anos, enquanto os homens aparecem entre os 40 e 50.
A diferença é acentuada conforme sobe os cargos e a remuneração. Quanto mais status a profissão, mais jovens as mulheres tendem a aparecer nas imagens, e mais velhos os homens. No mesmo sentido, quanto maior o salário, maior tende a ser a diferença de idade nas representações.
O estudo também comparou as imagens com dados oficiais do Censo dos Estados Unidos, e chegou a conclusão de que as imagens não refletem a realidade demográfica. A idade média do país é de 37,8 anos para homens e 40 anos para mulheres, de acordo com o US Census Bureau.
A idade como sinônimo de qualificação
Os cientistas também realizaram um experimento com 459 participantes e, quando as pessoas buscavam imagens de determinadas profissões no Google, tinham a percepção de que as mulheres nessas funções eram mais jovens e tinham menos experiência. Por consequência, as avaliavam como menos qualificadas para cargos de maior responsabilidade.
Os dados que formam essas imagens e textos são os mesmos que treinam as inteligências artificiais, o que pode gerar consequências reais nas contratações. O estudo mostra que o ChatGPT, ao gerar e avaliar currículos, reproduz exatamente o mesmo padrão: para nomes femininos, o sistema criou perfis com idades menores, datas de formatura mais recentes e menos anos de experiência. E, ao avaliar a qualidade dos currículos, o modelo deu notas mais altas para homens mais velhos.
O problema está nos dados usados para treinar os algoritmos. Se uma empresa historicamente contratou esse tipo de candidato para cargos técnicos, o sistema aprende a reproduzir essa tendência, favorecendo currículos similares.
“Decisões baseadas em computador têm esse verniz de objetividade. O problema reside no fato de que nós, humanos, frequentemente pensamos que os resultados dos modelos parecem objetivos, tematicamente corretos, mas, na realidade, se você tiver dados tendenciosos, provavelmente replicará o viés. E vemos isso repetidamente.”, sintetiza a professora Hilke Schellmann, autora do livro The Algorithm, em artigo publicado na Mother Jones sobre a pesquisa.