As discussões públicas sobre opressões, impulsionadas por movimentos sociais, ganham força nas ruas e redes sociais, mas o caminho para desnaturalizá-las ainda é longo.

Dados alarmantes do relatório “Percepções sobre a violência e o assédio contra mulheres no trabalho” (2020), do Instituto Locomotiva, revelam que 36% das trabalhadoras já sofreram constrangimentos, discriminações e abusos. Com exemplos concretos, esse número dispara para 76%, evidenciando a naturalização das opressões e a urgência de ações consistentes para mudar essa realidade.

O silêncio pode ser cúmplice da opressão. Como define a socióloga Patricia Hill Collins, a opressão se manifesta em situações injustas, onde um grupo limita o outro no acesso a recursos essenciais. Para exemplificar, posso citar o acesso à educação, saúde, segurança e recursos financeiros. A interseccionalidade, que articula opressões pela raça, gênero e sexualidade entre outras, cria barreiras ainda maiores.

Em uma reunião, questionei um líder sobre a ausência das opressões como disfunções culturais a serem mapeadas no ambiente de trabalho. Esse questionamento gerou um debate sobre o impacto das opressões no bem-estar e engajamento das pessoas. Mas, quando as mulheres presentes endossaram a questão, a resposta foi: “Temos que separar as coisas, não se pode fazer militância nas empresas”, disse ele. Agora, pare para pensar: Por que falar das opressões é incomodo? O que o silêncio tenta proteger?

Esconder a sujeira debaixo do tapete não faz a casa ficar limpa. Encarar a realidade, mesmo que difícil, é abrir espaço para a mudança.

A omissão, camuflada de neutralidade, é uma das artimanhas da tirania do silêncio, que se manifesta, por vezes, através da intimidação. Um exemplo emblemático é o caso recente envolvendo duas pessoas famosas, onde um homem agrediu uma mulher, dizendo: “agora é enfiar um sapato na tua boca porque só fala m***”.

Esse caso me lembrou da história da Anastácia, mulher negra escravizada no século XVIII, cuja imagem é retratada com a máscara de flandes cobrindo a sua boca, que simboliza a tradição do silenciamento. Por que, ao longo da história, tanto se esforçaram para nos calar?

O silenciamento não impede os movimentos internos. A poesia falada, o poetry slam, é um instrumento de fazer política e subverter a lógica do patriarcado. A escritora Mel Duarte, primeira mulher a vencer o Rio Poetry Slam traz essa mensagem no livro Querem nos Calar: poemas para serem lidos em voz alta. Para ela, o uso da palavra para contar história é a chave para romper com o ciclo do silenciamento.

Em minhas jornadas de autodescoberta, círculos de mulheres, principalmente entre mulheres negras, foram fundamentais. Nesses espaços seguros, o compartilhamento de histórias reais promove compreensão mútua entre mulheres. A fala cura. Essa experiência em grupo, como disse a poeta Audre Lorde, é uma guerra contra as tiranias do silêncio.

Embora a interação entre diferentes grupos seja crucial para o entendimento recíproco das diferentes realidades e construção de alianças, acredito que as conversas dentro de cada comunidade são essenciais para fortalecimento de autoestima positiva e autoconfiança.

Em verdadeiras irmandades, mulheres desenvolvem sua consciência crítica em relação aos estereótipos femininos. Etapa que antecede a construção de pontes de diálogos sólidas entre diferentes grupos.

A jornada contra as opressões exige um compromisso individual e coletivo. Exige identificar e advertir o opressor que existe dentro de cada um de nós, para que, juntos e juntas, possamos trabalhar para provocar mudanças concretas.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.