Agnès Varda: a cineasta que dedicou sua arte às pessoas comuns

Exposição no IMS Paulista revisita sua trajetória, que fez da fotografia e do audiovisual uma linguagem política

“Agnès Varda à la Fondation Cartier (Paris)” por Jean-Pierre Dalbéra, CC BY 2.0
Exposição no IMS Paulista revisita a trajetória de Agnès Varda Foto: “Agnès Varda à la Fondation Cartier (Paris)” por Jean-Pierre Dalbéra, CC BY 2.0

Poucas artistas conseguiram atravessar o século 20 e entrar no 21 com a mesma curiosidade e reinvenção de Agnès Varda. Cineasta, fotógrafa e artista plástica, ela construiu uma obra que se volta menos para grandes feitos e mais para as pessoas anônimas, gestos e histórias que costumam escapar do enquadramento oficial.

Essa trajetória ganha agora uma nova leitura na exposição Fotografia Agnès Varda – Cinema, em cartaz no IMS (Instituto Moreira Salles), na Avenida Paulista, até 12 de abril de 2026, na capital paulistana. Além de sua produção imagética, três curtas-metragens restaurados da diretora também acompanham a exibição.

Antes de revolucionar o cinema francês, Agnès Varda já havia escolhido seu ponto de partida: a fotografia. Foi a partir dela que desenvolveu um olhar atento às ruas, aos rostos e às comunidades que encontrava pelo caminho. A exposição no IMS evidencia essa origem ao reunir imagens feitas ao longo de décadas, muitas delas transformadas, mais tarde, em filmes ou incorporadas à linguagem cinematográfica que a consagrou.

Com curadoria de João Fernandes e Rosalie Varda, filha da cineasta, a mostra revela como fotografia e cinema nunca foram campos separados em sua obra. Ao contrário: dialogam o tempo inteiro.

O mundo visto de perto

Da China de Mao à Cuba pós-revolução, das ruas de Paris às manifestações dos Panteras Negras nos Estados Unidos, Varda registrou vários lugares e comunidades ao redor do mundo. Em todos esses contextos, seu interesse permanecia o mesmo: as pessoas. Trabalhadores, mulheres, crianças, artistas, militantes. Gente comum, filmada e fotografada com proximidade, sem hierarquia e sem exotização.

Essa atenção ao cotidiano atravessa também seus filmes mais conhecidos. Desde La Pointe Courte (1955), considerado um marco precursor da nouvelle vague, até Cléo das 5 às 7 (1962), Varda foi uma das principais fundadoras do movimento que redefiniu o cinema francês, abrindo caminho para novas vozes e novos enquadramentos, dentro e fora da tela.

A cineasta tornou-se referência incontornável em um setor abarrotado de homens. Seus filmes colocam o feminino no centro sem idealizações, revelando contradições, desejos e violências. Obras como Os renegados (1985), vencedor do Leão de Ouro em Veneza, expõem a marginalização e o abandono, sem perder o olhar humano que marca toda a sua filmografia.

Ao mesmo tempo, ela nunca se separou da política. Seus documentários e curtas revelam uma cineasta profundamente engajada, mas sempre disposta a experimentar, misturando narração, colagem, música e fotografia.

Os curtas em exibição

A mostra de filmes no IMS reúne três curtas-metragens que ajudam a compreender a magnitude criativa de Varda. Em A Ópera-Mouffe (1958), filmado durante sua gravidez, ela percorre um mercado parisiense e seus arredores, construindo uma narrativa visual fragmentada e poética.

Já Saudações, Cubanos! (1963) transforma mais de mil fotografias feitas em Cuba em um filme pulsante, no qual imagens estáticas parecem ganhar movimento. Por fim, Os Panteras Negras (1968) registra uma manifestação em Oakland, nos Estados Unidos, revelando o clima político e festivo de um momento histórico marcado pela luta por direitos civis.

Uma artista em permanente reinvenção

Mesmo na maturidade, Agnès Varda seguiu testando novas linguagens. Nos anos 2000, passou a criar instalações artísticas, sem abandonar o cinema nem a fotografia. Em Visages, Villages (2017), realizado em parceria com o fotógrafo JR, voltou às estradas para reencontrar o que sempre a moveu: rostos, memórias e histórias à margem dos centros.

Única mulher a ganhar a Palma de Ouro Honorária e a primeira diretora a ganhar o Oscar pelo conjunto da obra, Agnès Varda morreu em 2019, aos 90 anos, deixando uma obra que segue viva justamente por sua capacidade de olhar para o outro com curiosidade e empatia. A exposição no IMS não é apenas uma retrospectiva, mas um convite a revisitar um modo de ver o mundo, mais atento, afetuoso e radicalmente humano.