A comemoração do Dia Nacional da Adoção, no último 25 de maio, colocou em foco números que chamam atenção para o assunto em nosso país. Mais de 36 mil pessoas encontram-se atualmente habilitadas para adoção, enquanto cerca de 4.500 crianças e adolescentes aguardam por uma família, já com situação jurídica definida para encaminhamento para adoção.
Ainda nos dias de hoje, a maioria das pessoas opta por bebês e crianças mais novas, de até dois ou três anos, sem grupos de irmãos, saudáveis e preferencialmente brancos – ao passo que, no grupo dos 4.500 que esperam pela adoção, estão crianças com sete anos ou mais, com irmãos, frequentemente com questões de saúde e, em sua maioria, negras, aí incluindo as pretas e pardas.
Apesar de ainda vivermos muito longe do cenário ideal, no qual todas as crianças e adolescentes possam estar inseridos em famílias aptas a garantir que seus direitos sejam respeitados, vimos nos últimos anos um aumento das chamadas “adoções necessárias”, assim entendidas as de crianças maiores, grupos de irmãos, aquelas com problemas graves de saúde e negras.
Segundo dados extraídos do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em 2019 foram realizadas 3.325 adoções, sendo 766 de grupos de irmãos, 79 de crianças e adolescentes com questões de saúde, 429 de crianças maiores de 20 anos e adolescentes, e 18 crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência.
A mesma análise, realizada em 2023, mostra um expressivo aumento no número de adoções nestes perfis.
No ano de 2023 foram realizadas ao todo 5.032 adoções, o que já indica um aumento de 51% quando comparamos com o ano de 2019. Dessas, 2.395 foram de grupos de irmãos (aumento de 126%). Quando olhamos para crianças e adolescentes com questões de saúde, saltamos de 79 para 559, representando um aumento de 607%. Já crianças com mais de 10 anos de idade somaram um total de 556 (um aumento de 29,6%). E, por fim, o maior salto: o de crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência. Saímos de 18, no ano de 2019, para 157, em 2023. Um aumento de 872%.
Se por um lado vemos um aumento significativo no número de adoções, especialmente de grupos historicamente não incluídos na escolha dos pretendentes, assistimos também subirem os casos de desistência. As chamadas “devoluções” no curso do processo de adoção.
Resultados preliminares de estudos sobre a Devolução de Crianças e Adolescentes em Estágio de Convivência, realizados pela Associação Brasileira de Jurimetria, a partir de iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, apontam que os motivos para que os processos de formação de novas famílias sejam interrompidos são diversos, atravessados por questões psicológicas, éticas e sociais. No entanto, alguns números chamam atenção, apontando para fatores relacionados à etnia, idade e saúde como os mais relevantes quando tratamos de devoluções/desistências.
Aumenta-se, com a idade, a possibilidade de frustração na adoção. E isso tem profunda correlação com a pressa dos adotantes para a chegada dos filhos, ampliando seus perfis pretendidos sem uma profunda reflexão a respeito, bem como com a ausência de bases mínimas para a preparação de pretendentes à adoção.
Os estudos, ainda em fase preliminar, apontam que a preparação de pretendentes e o trabalho para a visão menos romantizada da adoção é fundamental para minimizar as chances de devolução/desistência e que ainda esbarramos na problemática da ausência de normativas de regência para essa preparação.
Nesse sentido, a ANGAAD, Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, vem se debruçando na construção de uma proposta de currículo mínimo a ser proposto ao Conselho Nacional de Justiça, para que passe a fazer parte do processo de habilitação de pretendentes à adoção em todo o país.
Não restam dúvidas de que evoluímos especialmente na ampliação do perfil pretendido pelos habilitados. No entanto, ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Para que adoções sejam efetivamente bem sucedidas, o primeiro passo é tirá-las do campo da idealização e investir em uma contínua e efetiva preparação.
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