Se você não está pagando por um produto, você é o produto – como já alertou o filme “O Dilema das Redes” (2020), as propagandas que agora invadem nossas conversas a na rede social, vídeos ou músicas que queremos ouvir… talvez não cheguem a nós tão gratuitamente assim como pensamos. Sobretudo quando criam eventos que nos levam a submergir em universos artificiais de compra, como a famosa Black Friday.

A origem da Black Friday nos EUA é antiga e com muitas histórias, embora a criação de um dia especial, em que há descontos massivos para compra de produtos, tenha sido popularizado por lá nos anos 1980 – durando apenas uma sexta-feira, após a celebração do Dia de Ação de Graças.
E por que Black? Provavelmente pela relação com os antigos livros-caixa, que traziam as anotações dos lucros na cor preta – e a dos prejuízos em vermelho. Entrar no Black era o objetivo. No Brasil a Black Friday chegou em 2010, já com a internet, e assim foi customizada, estendendo-se por vários dias em novembro.
Os comerciantes usam todas as estratégias necessárias para lucrarem com seu negócio, desde sempre – mas a partir da internet, o processo se amplificou de forma radical…

Os algoritmos das plataformas da internet se tornaram especialistas em minerar gente, através dos bancos de dados alimentados pelos próprios usuários. Quando procuramos na internet algum bem ou produto – uma roupa, um eletrodoméstico ou um apartamento – imediatamente começamos a receber insistentes e variadas ofertas daquele bem ou produto. Se postamos uma foto do nosso gato ou cão, pronto, aí vem uma avalanche de ofertas de alimentos, roupinhas, produtos diversos.
Nem sempre refletimos sobre o significado disso: bancos de dados acumulam e processam informações que nós mesmos oferecemos durante as conexões em plataformas e aplicativos. A partir desse “tesouro”, são negociados pacotes: indivíduos com tal ou qual perfil como potenciais consumidores de tais produtos. Pacotes que interessam a empresas anunciantes ou a quem pagar por eles.

E vocês já viram que isso não ocorre apenas com produtos, mas também com ideias e ideologias, com a formação de bolhas de opinião que vão reiterando notícias verdadeiras ou falsas.

A questão é que temos naturalizado isso, achado normal, como a história do sapo fervido: um sapo colocado num caldeirão de água quente vai pular fora, mas se colocado na água fria, que vai esquentando aos poucos, acabará cozido.

Mas, afinal, como nos atraem para comprar coisas de que precisamos e coisas das quais não precisamos? Qual é a bala de prata usada para nos conquistar?
Ah, a felicidade! Tão almejada e tão banalizada em propagandas que garantem que vamos ser felizes com um shampoo, uma joia, uma roupa, um aparelho… Sabemos que não é fácil assim, mas esse breve contentamento que um objeto pode trazer também costuma servir de algum alívio, em tempos de muita ansiedade como os que vivemos.

Será que apequenamos a felicidade, transformando-a em mero e fugaz contentamento?

Para girar a roda do consumo é essencial que o contentamento seja fugaz, e assim logo busquemos uma nova experiência momentânea de satisfação. O famoso sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), examinando a sociedade contemporânea no seu livro “Vida para Consumo”, lembra que o propósito não é que fiquemos satisfeitos, pois aí pararíamos de consumir – o consumismo se move com a nossa insatisfação.

Pode ser que, de repente, vejamos à nossa volta muita coisa de que não precisamos, mas que nos custou horas de trabalho. E logo alguém nos vai recomendar: “desapegue!” Sim, podemos passar objetos adiante, mas não há como recuperar o esforço que fizemos para adquiri-los.

Enquanto escrevia esse texto, ouvi minha pequena afilhada cantar com o Urso Balu, amigo do Mogli, o Menino Lobo: “Eu uso o necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais. Eu digo, o necessário, somente o necessário, por isso é que essa vida eu vivo em paz”.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.