Carmela Borst acredita na inclusão digital como motor de transformação

À frente da SoulCode, Carmela defende que o domínio das tecnologias pode reduzir desigualdades e criar novas pontes para o mercado de trabalho

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Carmela Borst lidera a SoulCode Academy, edtech voltada à formação digital e inclusão social Foto: Divulgação

Mesmo diante da expansão do setor tecnológico, o Brasil ainda sofre com desigualdades profundas no acesso e nas habilidades digitais. Segundo estudo da Anatel, apenas cerca de 30% da população brasileira possui competências digitais básicas (como enviar e-mail, mover arquivos ou usar ferramentas de copiar e colar), o que coloca o país entre os três piores do G20 neste indicador. Para Carmela Borst, esse dado revela mais do que uma lacuna técnica: expõe um abismo social que impede milhões de brasileiros de participar da economia digital.

Fundadora e CEO da SoulCode, edtech voltada à inclusão por meio da educação tecnológica, ela tem trabalhado para transformar esse cenário com programas gratuitos e online que já formaram centenas de pessoas em todo o país. “Democratizar tecnologia é um compromisso que me acompanha desde o início da carreira. Não dá para falar de inovação sem pensar em inclusão”, afirma.

Com formações em instituições como FEI, Stanford, Harvard e ESPM, Carmela é também conselheira de ONGs e voluntária em projetos de educação infantil. Recentemente, foi reconhecida pelo IT Fórum como uma das 35 mulheres que transformam o setor de inovação e tecnologia e aparece entre os principais criadores de conteúdo de Justiça Social e Filantropia no LinkedIn Brasil. O reconhecimento, no entanto, não altera o foco. “A missão é a mesma desde o início: democratizar a educação digital. É o que me move.”

Capacitação de alunas na Bolívia pela Soul Code

Filha de uma mulher nordestina que enfrentou o preconceito em São Paulo nos anos 1960, ela cresceu vendo de perto o valor da solidariedade. “Minha mãe foi uma mulher desquitada em uma época em que isso significava ser marginalizada. Mas ela nunca se vitimizou. A casa em que cresci sempre foi aberta para os problemas sociais e forte em tentar resolvê-los”, recorda. Foi dessa experiência que surgiu o olhar atento às desigualdades que a tecnologia pode tanto ampliar quanto combater.

Antes de fundar a SoulCode, Carmela construiu uma carreira de quase três décadas no setor corporativo, em empresas globais de tecnologia e serviços. Iniciou a trajetória na GS1, nos anos 1990, em plena implementação do código de barras no Brasil, quando começou a refletir sobre o impacto social da automação. Em seguida, passou pela Accor, onde liderou projetos de digitalização no setor de benefícios. Sua experiência se consolidou na Oracle, onde atuou por mais de quinze anos, chegando ao cargo de vice-presidente de marketing para América Latina e Caribe.

Depois, comandou o marketing da Infor e foi vice-presidente de Growth da Aon, liderando estratégias de inovação e transformação digital em toda a região. Essa vivência executiva moldou sua visão sobre o papel social da tecnologia. “A convivência com as grandes corporações me ensinou que inovação só faz sentido quando gera oportunidades reais. Foi o que me motivou a criar um modelo de educação acessível”, afirma.

A convivência com a lógica corporativa e com o avanço acelerado das inovações a levou a questionar para quem, de fato, a tecnologia servia. “Quando comecei, o debate era o código de barras. Eu pensava na mulher que vendia bala de coco e não sabia como pagar pelo código. Hoje, com a inteligência artificial, a pergunta é a mesma: como garantir que ela também tenha acesso a isso?”, diz. Essa inquietação se transformou em método de trabalho na SoulCode, criada em 2020 com o propósito de oferecer educação digital acessível a grupos historicamente excluídos: mulheres, pessoas com deficiência, moradores de favelas e profissionais maduros fora do mercado.

A escola atua em parceria com mais de 40 empresas e organizações sociais, como o Grupo Petrópolis, Fundação Crescer Criança e Casa do Zezinho. “Nós formamos pessoas em análise de dados, inteligência artificial, programação. Mas o mais importante é o letramento digital. Ensinar o que é a internet, como fazer uma busca, como usar a tecnologia a favor do próprio trabalho”, explica. O impacto é visível em regiões distantes dos grandes centros. “Levamos cursos a mulheres artesãs do Vale do Jequitinhonha, a marisqueiras no Ceará, a comunidades da Amazônia. Quando elas aprendem a precificar e divulgar seus produtos, a renda cresce. É a tecnologia transformando a base da sociedade.”

A experiência reforçou em Carmela a convicção de que a exclusão digital não é apenas econômica, mas também geracional e educacional. “Temos pessoas com ensino superior e fluentes em outro idioma que são vulneráveis digitais. Profissionais excelentes que não se adaptaram às novas ferramentas e, por isso, perdem espaço”, afirma. Para ela, a inteligência artificial pode reduzir esse abismo se for usada como ferramenta de acesso, e não de exclusão. “Se uma pessoa com baixa escolaridade aprende a fazer perguntas corretas a uma IA, ela se insere no mundo digital. A tecnologia deve servir para aproximar, não para segregar.”

Para o futuro, Carmela aposta na expansão internacional da SoulCode e na integração da inteligência artificial em todas as etapas do ensino. A empresa já iniciou programas na Bolívia, voltados a mulheres em situação de vulnerabilidade, e prepara novas parcerias na América Latina. “O próximo passo é levar a metodologia para fora do Brasil. A tecnologia não tem fronteiras, e a inclusão também não deve ter”, resume.