Conheci Carolina há uns seis anos e a primeira vez que li “Quarto de Despejo”, sua obra mais conhecida, sobre o cotidiano de uma favela na periferia paulistana, também vivia em uma comunidade, no Rio de Janeiro. Minha autoestima intelectual era pequena, não me via como escritora, apesar de já trabalhar com escrita naquela época. Durante uns bons anos falava do meu trabalho de pesquisa com Afrofuturismo e me referia a mim mesma como catadora de conhecimentos, em homenagem à Carolina – minha primeira referência de intelectualidade favelada, que me despertou a consciência para a importância de escrever sobre uma realidade que a academia e a literatura não costumam considerar.

Escritora, dramaturga, poetisa e cantora, Carolina nasceu em Minas Gerais, em 1914, em uma família pertencente a uma comunidade rural. Vivia em situação de vulnerabilidade, sem acesso à educação formal, mas hoje é reconhecidamente uma das autoras brasileiras que melhor representa, em sua escrita, a realidade de um povo brasileiro invisibilizado.

Sua carreira como escritora começa após ser descoberta por um jornalista, que publica seus escritos no livro “Quarto de Despejo”, em 1960, e a partir de então a narrativa da escritora favelada, que descrevia em detalhes o cotidiano da favela do Canindé às margens do Rio Tietê, em São Paulo, ganha o mundo.

Desde sua publicação, a obra vendeu mais de um milhão de exemplares e foi traduzida para 14 idiomas, tornando-se um dos livros brasileiros mais conhecidos no mundo. Apesar de ser uma artista múltipla e ter produções diversas, como peças de teatro, músicas, marchinhas de carnaval e poesias, Carolina passou boa parte da vida sendo tratada pela imprensa como “a escritora favelada”, como se ser negra e pobre definisse tudo que ela poderia ser.

Carolina foi uma mulher livre à sua maneira, que se recusou a casar, embora tenha sido pedida em casamento por vários namorados. Costurou roupas, tocou violão, gravou discos, viajou para o exterior e criou lindas imagens de futuro para que meninas negras, faveladas como ela, com oportunidades escassas, pudessem mirar alto na vida. Com a sua liberdade, abriu portas, janelas e asas para ser seguida por muitas outras Carolinas.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.