Casamento reforça barreiras para mulheres pretas no Brasil, aponta pesquisa

Estudo do Insper mostra desafios enfrentados para casar, a tendência a ter parceiros de menor renda e escolaridade e maior exposição a maternidade solo

Envato
A união, que poderia ser uma possibilidade de mobilidade social, acaba reforçando desigualdades já existentes. Foto: Envato

Novo levantamento do NERI (Núcleo de Estudos Raciais), do Insper, revelou uma realidade menos romântica a respeito do casamento, sendo marcado por classe e, principalmente, por raça. Mulheres pretas e pardas, nesse contexto, têm menor probabilidade de entrar em relações estáveis, o que reforça a desigualdade e a dificuldade de ascensão social. 

A pesquisa, divulgada no Dia da Consciência Negra, analisou dados da Pnad entre 2002 e 2024 e encontrou desigualdades que persistiram ao longo das duas décadas. Nesse caso, mulheres pretas e pardas têm menor probabilidade de se casar do que mulheres brancas. A tendência, que se repete há décadas, persiste mesmo entre mulheres com nível superior. 

Escolaridade não garante igualdade 

Um dos achados é sobre a tendência de que casais tenham níveis parecidos de escolaridade. Mas, por mais que a educação “pareie” mulheres brancas a parceiros com nível econômico semelhante, entre as mulheres pretas isso acontece de forma desigual no Brasil.

Mesmo quando elas atingem níveis de escolaridade iguais ou superiores aos de mulheres brancas, seus parceiros, quando há casamento, tendem a ter menos anos de estudo, menor renda e menor qualificação no mercado de trabalho. Essa tendência também se repete entre as mulheres pardas, porém com menos intensidade.

Ou seja: mulheres pretas estudam mais, mas casam com homens que ganham menos. Mulheres brancas estudam mais, mas casam com homens que ganham mais. Nesse sentido, a união, que poderia ser uma possibilidade de mobilidade social, acaba reforçando desigualdades já existentes.

A maternidade solo e o impacto do racismo estrutural

O estudo também analisou a probabilidade de mulheres se tornarem mães solo. O resultado segue o mesmo padrão: mulheres pretas têm maior chance de criar seus filhos sem a presença de um parceiro. 

Essa diferença explica, em parte, por que as famílias formadas por mulheres pretas têm maior vulnerabilidade econômica. E isso se deve a uma combinação de mercado de trabalho precarizado, dificuldade de acesso a parceiros com estabilidade econômica e à persistência de estereótipos em suas relações. 

No Brasil, o  recorte racial não só intensifica a responsabilidade atribuída a elas como limita suas condições para ascensão social. Trata-se menos de “escolhas pessoais” e mais de contextos que moldam essas escolhas. 

O peso da raça sobre a classe

Uma parte do estudo investiga o impacto da origem socioeconômica sobre o casamento através da utilização de dados intergeracionais para estimar a renda dos pais das mulheres entrevistadas. A expectativa era que mulheres vindas de famílias de maior renda teriam acesso a parceiros mais escolarizados e com melhor situação econômica.

E isso acontece, mas só para as mulheres brancas. Entre as pretas e pardas, mesmo aquelas vindas das famílias mais ricas enfrentam uma espécie de “teto racial” no casamento: seus maridos têm menos anos de estudo e menor renda prevista do que os maridos das mulheres brancas do mesmo estrato social.

Os pesquisadores concluem que, embora alguns indicadores tenham melhorado entre 1996 e 2014, a desigualdade racial no casamento e nas relações familiares segue profunda e deve demorar gerações para se dissipar sem uma intervenção direta.

Programas de incentivo à educação já reduziram parte da distância entre grupos raciais na formação escolar, mas não resolveram a maneira como a sociedade brasileira enxerga mulheres pretas nesse campo em um país em que o casamento ainda está fortemente associado à estabilidade econômica e social.