Negros são a maioria da população brasileira, 56% dos habitantes desse país conforme os dados apurados pelo IBGE no último censo, no qual fui entrevistada pela primeira vez. Sabemos que o racismo é uma construção social e, portanto, depende da leitura que as pessoas recebem dentro dos mais diversos contextos nos quais estão inseridas, e é fácil concluir que os 56% indicados pelo IBGE, que englobam pessoas autodeclaradas pretas e pardas, não gozam da mesma leitura social nos ambientes por elas frequentados. Isso se dá especialmente com as pessoas negras de pele clara, ou pardas, se assim preferirmos nomear.
Elas podem ser lidas como brancas ou negras, a depender do local e da realidade em que se encontram. Não raro vemos relatos de pessoas que, no sul do Brasil, alegam ter sofrido racismo, por serem percebidas como negras – enquanto gozaram de privilégios, como se brancos fossem, em espaços de maioria negra de pele retinta, como em algumas localidades do Nordeste.
Usado pela escritora Alice Walker no seu livro “If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like?” (traduzido em português para “Se o presente se parece com o passado, como será o futuro?”), o termo colorismo surgiu em 1982, indicando a diferenciação das tonalidades de pele negra.
Poderíamos pensar que se trata de algo simples, voltado tão somente para a questão estética. No entanto, quando trazemos as tais tonalidades de pele negra para a construção social denominada “racismo”, vemos seus reais efeitos.
Basta criarmos imagens mentais, baseadas em uma paleta de cores, que vai de um bege mais escuro até um marrom bem fechado, beirando o preto. Pensemos em pessoas que ostentam cada uma dessas cores. Quais são, em uma análise rápida, aquelas mais propensas a sofrerem os efeitos do racismo?
As negras de pele retinta, obviamente! No caso delas, não há leitura social diversa possível. Serão negras onde quer que estejam, e não haverá recorte social que poderá livrá-las dos efeitos do racismo: a cor de pele sempre chegará primeiro.
Apesar de parecer simples, o colorismo ainda se mostra recente nas construções e discussões. Para muitos, ele seria a grande chave que abre as portas de um novo movimento muito comentado atualmente nas redes sociais conhecido por blackfishing, ou a autodeclaração como negras por pessoas que, na grande maioria das vezes, recebem leitura social de brancas.
O grande argumento contra o colorismo e, de quebra, contra o blackfishing, é a divisão, que enfraquece o movimento negro como um todo, permeado também por importantes divergências internas, bem como de lutas por pessoas para as quais, definitivamente, o racismo não chega com a mesma força.
A conversa é longa e ainda está só no início. De tudo, ficam duas certezas: o racismo sempre vai bater mais forte quanto mais retinta for a pele da pessoa atingida – e não há mais espaço para dizermos que somostodos iguais e não enxergamos cor.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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