O bolo de cenoura com cobertura de chocolate já pode ser considerado um patrimônio afetivo brasileiro. Mas, por trás da combinação clássica de cores e sabores, existe um universo que vai muito além de uma receita. Prova disso é a trajetória de Marília Lima, criadora do Cenoradas, loja em São Paulo especializada em doces à base de cenoura.
A vida da empreendedora tomou um novo rumo depois que ela enviou um simples pedaço de bolo para uma amiga. “Nunca passou pela minha cabeça empreender. Eu fiz o bolo de cenoura, postei no Instagram, e ela me pediu um pedaço”, conta.
Naquele momento, o Brasil vivia a pandemia de covid-19, e a população seguia em lockdown. Para Marília, preparar o doce era uma forma de resgatar o sabor da infância e, principalmente, de passar o tempo. “Escolhi fazer o bolo porque era fácil, precisava só de um liquidificador. Eu nem tinha batedeira na época”, relembra.
Arquiteta de formação, Marília já não se reconhecia mais na profissão. Antes mesmo da pandemia, ela tinha trocado o escritório pela comunicação em uma tentativa de reencontrar seu caminho profissional. “Eu trabalhava no formato home office, mas já sentia que a agência não resistiria à pausa do mercado”, lembra.
Enquanto buscava novas possibilidades, os amigos, que já conheciam o sabor dos seus bolos de cenoura, começaram a insistir para que ela aceitasse encomendas. Foi o empurrão que faltava para transformar uma habilidade afetiva em oportunidade de negócio. “Na primeira semana, fiz 200 bolos, escalou muito rápido, no entanto, em nenhum momento queria ter uma empresa”, diz.

Fachada de uma das unidades do Cenoradas, marca criada por Marília Lima em São Paulo
Marília chegou a fazer planos de voltar ao mercado de trabalho assim que o lockdown terminasse. Tanto que, no mesmo dia em que foi demitida da antiga empresa, recebeu uma proposta para trabalhar em outra. “A vaga era presencial, então eu passava o dia fora e quando chegava em casa continuava fazendo os bolos.”
Ela produzia tudo de forma artesanal, batia as massas no liquidificador e preparava a cobertura de brigadeiro no fogão, sem qualquer equipamento profissional. “Meu namorado, hoje marido, me disse para escolher um caminho que queria seguir e aquilo me fez refletir”, afirma.
Da cenoura ao Cenoradas
Por um ano e meio, Marília manteve a produção dentro de casa. Cozinhava, recebia encomendas, organizava as entregas e administrava cada detalhe do negócio. “Comprei apenas a primeira farinha, todos os outros ingredientes foram pagos com o dinheiro dos bolos vendidos”, conta.
Com o incentivo dos amigos, ela criou uma conta no Instagram, deu nome à marca e desenvolveu uma identidade visual. “Um amigo tinha feito um vídeo em que ele desenhava um hipopótamo e, no final, cortava um bolo. A imagem acabou inspirando o mascote, e o nome Cenoradas nasceu dessa construção de ideias e das cenouras, é claro”, destaca.
Mas, mais do que a formalização, o que realmente preocupava a empreendedora era trabalhar com novas ideias. “Eu já tinha feito alguns cursos de chocolate, minha mãe sempre teve barras em casa, daquelas grandes para derreter, cresci nesse ambiente e sempre amei doce, mas era desafiador”, diz.
Ainda assim, a profissionalização do negócio era indispensável para ela. “Somos a primeira empresa de bolo de cenoura fiscalizada, com documentação e processos em dia, então eu queria ser ainda mais criativa no mercado.”
Marília já tinha conquistado os clientes com os produtos tradicionais da marca, como o bolo de cenoura inteiro e o bolo feito na marmita, todos à base de cenoura e chocolate.
Mas ela sentia que podia criar algo novo. “Tive a ideia de colocar o bolo de cenoura dentro de uma barra de chocolate e deu muito certo.”
O apoio de parceiros
O Cenoradas ganhou relevância e visibilidade em diferentes regiões de São Paulo No início, o apoio veio de pessoas próximas. Com o tempo, a marca passou a atrair novos colaboradores e ampliar sua rede de parceiros.
“Tenho uma amiga dona de uma padaria que precisava montar uma cesta de café da manhã. Ela queria incluir o meu bolo, mas a marmita não ficaria boa na composição. Então, precisei adaptar e fazer a versão em bolinho no pote.”
A marca continuou crescendo, ampliando seu portfólio de produtos e fortalecendo as parcerias. “Seguimos inovando sempre, porque os clientes gostam mesmo da combinação do bolo de cenoura com o chocolate”, afirma.
O sucesso se refletiu na abertura de lojas físicas, quiosques e até carrinhos para eventos corporativos e festas, ampliando ainda mais a presença em São Paulo. “Hoje, tenho uma fábrica para confeccionar todos os produtos, e é aqui que desenvolvo cada doce, dos tradicionais às novidades”, diz.
Dona do próprio negócio
Com o avanço rápido da marca, Marília também precisou lidar com o excesso de trabalho e responsabilidades, chegando a vivenciar um quadro de burnout. “Tudo aconteceu de forma orgânica, nada planejado, e eu comecei a ser uma extensão do Cenoradas e não o contrário”, detalha.
Hoje, porém, ela busca levar uma vida mais leve, tentando trabalhar no seu próprio ritmo. “Ninguém te ensina a ser a empresária do seu próprio negócio. Mas as pessoas dependem das suas decisões, então acredito que existe um propósito para tudo”, conclui.