O fato existe? Ou o que existe é a leitura de alguma coisa que acontece no mundo por alguém que conta, em algum momento e lugar, com alguma intenção? Somos todos produtores de histórias, quando presenciamos um acontecimento e o contamos para alguém. Mesmo que o façamos com o maior cuidado, buscando não explicitar nossa opinião, ainda somos os narradores. Por isso, conhecer a fonte da informação é sempre muito importante.
Os fabricantes de fake news descobriram que basta soltar a fumaça… e muitos ficarão procurando o fogo até acabar com a pessoa ou ideia. Isso costuma acontecer sob nossas vistas em situações como eleições, por exemplo, ou em dilemas sociais com opiniões polarizadas.
A internet, que é um negócio muito lucrativo para os donos das plataformas que vivem de anúncios comerciais, está cheia de desinformação em formato de notícia, inclusive com manipulação, por inteligência artificial, de imagens de pessoas famosas ou reconhecidas como especialistas, ou influenciadores que podem ser pessoas com alguma especialidade ou simplesmente alguém que comprou ou conquistou um número grande de seguidores. E usam as emoções, os desejos, para fisgar nossa atenção.
Queremos emagrecer, nos curarmos de uma doença, ganhar dinheiro, ter sucesso, ficar com aparência mais jovem…pra tudo tem anúncio bem feitinho e enganoso. Eu e você provavelmente já caímos em alguma dessas roubadas. E também talvez tenhamos compartilhado o embuste.
Quarenta e três por cento dos brasileiros admitiram já ter compartilhado um post, vídeo imagem ou notícia e posteriormente perceberam que se tratava de informações faltas (estudo do @poynterinstitute em parceria com o @google, divulgado pela @onubrasil, agosto de 2022)
O que é mais grave na internet é que, nas redes sociais, é quase impossível controlar a multiplicação de fake news ou desinformação. Há algum tempo usaram a figura do Dr. Drauzio Varella e sua credibilidade como cientista para vender um tratamento falso. Ainda que o anúncio tenha sido retirado quando foi denunciado, milhões de pessoas já o tinham visto, replicado, comprado – e talvez experimentado – o tal tratamento.
As postagens mais populares são enviadas em massa por grupos de mensagens, muitas vezes por agentes pagos para isso, criando uma avalanche de curtidas e compartilhamentos que é difícil parar. Enfim, não é fácil segurar esse dano, não apenas para figuras públicas eventualmente usadas, mas para cada pessoa que acabou sendo diretamente afetada pelo falso anuncio. Quantas coisas já adquirimos acreditando em falsos anúncios, ou não recebemos ou não tinham a utilidade alardeada…? Ou que causou ou poderá causar no futuro dano à nossa saúde?
Como podemos nos proteger da desinformação? Algumas dicas são simples e nos ajudam a pensar antes de comprar um produto ou compartilhar uma mensagem.
- Acostume-se a resistir a compras por impulso. No mínimo, deixe para o dia seguinte, depois de uma noite de sono. As chamadas vantagens ou descontos que vão acabar à meia-noite são modos de nos manipular. Resista. Resistamos.
- Tenha cuidado especial com anúncios de medicamentos e tratamentos para doenças e estéticos, sem recomendação ou acompanhamento médico. No caso de interesse por um profissional médico ou de saúde indicado por rede social ou anuncio virtual, não se consulte antes de procurar referências do profissional nos respectivos órgãos de classe. O relatório da Academia Brasileira de Ciências lembra do caso do MMS (Solução Mineral Milagrosa), divulgada por Jim Humble, um antigo garimpeiro estadunidense, como a cura para várias patologias, que viralizou rapidamente nas redes sociais. Diversas pessoas começaram a vender produtos com base em uma publicidade que explorava as emoções dos familiares e a crença deles em soluções rápidas e alternativas para quadros como o autismo. E até serviços jurídicos foram mobilizados para a liberação do acesso. Vemos isso diariamente com comidas, remédios, tratamentos milagrosos, para tudo. São interesses econômicos explorando as emoções de quem enfrenta doenças ou situações difíceis para si ou para alguém querido.
- Pessoas famosas, atores, modelos e outros comunicadores, são remunerados para atuar em anúncios comerciais. Entenda que eles estão representando um papel ao falar daquele creminho maravilhoso, do shampoo que deixa o cabelo reluzente, da salsicha, da vitamina incrível que recomendam. Tente explicar isso logo para sua filha ou seu filho adolescente.
- Se uma mensagem ou anúncio contiver as palavras URGENTE ou ATENÇÃO desconfie. Promover a sensação de alarme e urgência visa a que se compre ou compartilhe logo, sem pensar muito.
- Desconfie de perfis ou sites que tenham nomes semelhantes aos de alguma empresa ou veículo de imprensa conhecido. Outro dia recebi uma mensagem bem embalada, com as cores do banco que utilizo. Mas o endereço para resposta tinha uma letrinha a mais. Confesso que demorei para observar.
- Desconfie sempre de notícias e vídeos sem fontes ou nomes dos responsáveis pela informação. Descredibilizar jornalistas e veículos da imprensa tem sido uma estratégia muito usada pelas fábricas de desinformação. Se você acreditar que eles mentem para você vai preferir acreditar numa notícia que chegue por um conhecido, um famoso, um influencer. Mas, pense, os profissionais da imprensa seguem regras profissionais e seus veículos podem ser responsabilizados por notícias falsas ou enganosas. Isso não acontece com pessoas que criam desinformação intencionalmente ou não.
- “Se pararmos e pensarmos antes de postar podemos ajudar a romper as correntes de desinformação nas plataformas digitais.” (@oubrasil Campanha #PROMETO PAUSAR)
Agora, a sinalização mais explícita para se ter cuidado é quando a mensagem contém incitação ao ódio ou violência contra alguma pessoa, grupo ou instituição. Em tempos de polarização, é muito comum desumanizar o outro, colocando-o como alvo de ódio ou deboche. O humor, os memes, são poderosos para explicar mas também para ferir. Usar essas ferramentas sem refletir é como lançar bolas de fogo na sociedade, que só podem ter como resultado o rompimento da nossa já frágil paz social.
Vale e pena refletir também sobre o que contamos uns aos outros – por meio de palavras, imagens, gestos, expressões. Temos muitos “aplicativos” instalados no nosso corpo. Somos um complexo meio de comunicação, com muitos recursos para expressar o que pensamos, contar nossas histórias. (Vale ler o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, no livro O Verdadeiro Criador de Tudo, editora Crítica, 2020).
No entanto, temos instalado um monte de apps no nosso computador, no nosso celular, para que eles nos tragam, instantaneamente, uma montanha de informações. Tantas que não conseguimos filtrar e, às vezes, até esquecemos de perguntar quem as produziu, por que e com que intenção.
Dizem que a informação é a matéria prima das nossas escolhas, decisões. Só não nos esqueçamos de que toda informação vem carregada de emoções e esse envelope vai entrar em nosso sistema, no nosso mindset, também carregado de emoções.
É por isso que procuramos com mais insistência informações ou leituras que combinem com o que já pensamos, reforcem nossos desejos e não os ponham em xeque. É o chamado Viés de Confirmação: tendência humana de buscar e valorizar informações que confirmem suas crenças preexistentes e ignorar as que as contradizem. Quando há contradição, experimentamos algo da chamada Dissonância Cognitiva, uma sensação desconfortável, que nos impele a rejeitar a informação que não seja coerente com o que acreditamos ou fazemos.
As plataformas da internet usam o viés de confirmação, por meio da aplicação de algoritmos que buscam configurar e reforçar bolhas de semelhantes, pois assim é mais fácil predizer o que seus componentes vão tender a comprar – coisas, ideias, candidatos.
Vale registrar que esse processo é exatamente o contrário da educação, do processo de aprendizagem, que desafia nossas certezas, que nos leva a refletir sobre outras possibilidades, visões diferentes das nossas, para que possamos desenvolver nossas capacidades e nossa autonomia.
E o que é desinformação? Podemos entender que é uma informação intencionalmente distorcida para enganar ou causar conflito. Não é sempre mentira. Pode ser uma informação tirada de seu contexto, com imagens antigas como se fossem atuais, com palavras ou expressões exageradas para causar alarme, pânico ou ódio. Enfim, induzir nossa vontade.
As vezes é mentira, pura e simples, inventada, criada para uma finalidade. Colar uma mentira em alguém não é tão difícil, basta ser bem alarmista e incitar o medo ou a raiva de quem vê ou ouve. E pode destruir uma pessoa, que, no mínimo, perdera tempo e amigos tentando provar que aquilo não é verdade. É o contrário da lógica da Justiça, onde o ônus da prova cabe a quem acusa e não ao acusado. Como somos todos produtores de histórias, portanto, é preciso conhecer a fonte da informação que consumimos, e disseminamos.
Mas, e a Ciência? A Ciência formula uma hipótese, uma possibilidade de fato, e testa, experimenta, até chegar a uma conclusão bem fundamentada. Não é infalível, nem imutável, justamente por ser Ciência. Seu material é a dúvida. Mas seu produto, por isso mesmo, é o mais passível de credibilidade. Então, a quem interessa descredibilizar a Ciência?
Em junho de 2024, a Academia Brasileira de Ciências publicou um relatório sobre os desafios da desinformação científica.
“A disseminação de informações falsas sobre questões científicas, de saúde, ambientais e tecnológicas impacta a capacidade das pessoas de tomar decisões informadas ao mesmo tempo que reduz a confiança nas instituições científicas e governamentais. O contexto das plataformas digitais, especialmente as mídias sociais, ampliou essa problemática, fornecendo um ambiente propício para a rápida disseminação de desinformação científica. A estrutura algorítmica dessas plataformas tende a favorecer conteúdos sensacionalistas e enganosos, criando um ecossistema lucrativo para a desinformação.” (Relatório “Desafios e estratégias na luta pela desinformação científica”, junho de 2024)
Lembra quando começaram a dizer que a Terra não é redonda? Isso é desinformação científica. Muito grave, porque o formato da Terra não é, no século XXI, matéria de opinião. Para pôr em dúvida uma conclusão da Ciência é preciso apresentar alguma outra hipótese testável e passar pelo mesmo processo. Mas, não havia nenhum conteúdo passível de experimento, apenas opiniões, desenhos imaginativos e antigos. Parece bobagem, mas descredibilizar a Ciência é um meio poderoso de desinformar.
Segundo a Academia Brasileira de Ciências, entre os temas mais afetados pela desinformação científica, estão as mudanças climáticas, a vacinação, a medicina alternativa, a biotecnologia e a saúde pública. A Academia alerta para as graves consequências da desinformação, como a recusa de vacinas, com impacto na vida e morte de pessoas, nas políticas de saúde pública e na erosão da confiança nas autoridades científicas.
Os fenômenos da mudança climática estão sendo vividos por todo o Planeta – chuvas torrenciais, inundações, calor excessivo, fogo, queimadas, vendavais, desertificação…Mas, contra todas as evidências, medições e predições científicas, os interessados em manter a lógica que protege seus interesses, vendem o negacionismo. (Veja o site Mentira tem preço e no instagram @mentiratempreco)
Quando a desinformação que vem em formato de notícia, aparentemente isenta, para simular credibilidade, é muito difícil de desmontar, tanto na vida pública como na vida privada.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da IstoÉ
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