Ser criança está associado a toda sorte de adjetivos pejorativos e de experiências ignoradas pela maior parte da sociedade. Neste mundo tão “criançofóbico”, tornou-se necessária a existência de leis que punam espaços que discriminem crianças e suas famílias. No Rio de Janeiro, cidade onde nasci e vivo, temos a Lei n° 8.017/2023, que multa estabelecimentos ou locais abertos ao público que proíbem ou impedem acesso em virtude da companhia de criança ou adolescente.

Quando queremos dizer que alguém está sendo imaturo ou agindo de forma inapropriada, dizemos que a pessoa tem uma postura infantil. Quando o objetivo é xingar, é possível usar a expressão “crianção/criançona” como alternativa para proferir ofensas. Ser criança no Brasil é sinônimo de ser silenciado, ignorado, violentado. No entanto, apesar de também ter vivido violências que me marcaram para sempre na infância, sempre senti um afeto especial por esta fase da vida, pela forma como vivemos e percebemos o mundo ao nosso redor quando somos crianças. Não pelo tom esvaziado de pureza ou inocência, crianças são exímias exploradoras e observadoras do mundo.

Costumo dizer em todas as aulas sobre Afrofuturismo que a culpa do trabalho que realizo hoje é a da Morena de 10 anos de idade. Ao ser confrontada com as aulas de história do Brasil que não respondiam às suas questões sobre quem eram os africanos escravizados que chegaram em navios negreiros, aquela menina resolveu procurar as respostas que tanto desejava. Essa é a origem do meu trabalho com Afrofuturismo: uma pulsão infantil no melhor sentido, uma curiosidade infinita por tudo que não sei sobre o que o mundo já foi antes do colonialismo e sobre o que ele ainda pode ser a partir dos movimentos que fazemos no presente.

Anos atrás conheci, a partir de um texto do professor Renato Noguera, o conceito de Infancialização – ao contrário da perspectiva ocidental pejorativa de infantilização, entende a infância enquanto um estado do ser humano que potencializa sua humanidade e seu potencial criativo. Em suas próprias palavras, “infancializar é uma maneira de perceber na infância as condições de possibilidade de invenção de novos modos de vida”. Inventar novas possibilidades, novas formas de viver, tem tudo a ver com se permitir manter vivo um estado de infância dentro da gente. Precisamos mesmo é ser mais crianças, ter menos certezas fixas e mais curiosidade sobre nós mesmas e sobre o mundo.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.