O tempo, para todos, era uma preocupação que os atormentava.
Quando diziam: de qualquer forma o tempo passa, todos entendiam.
Mas quando diziam que o tempo nunca passava, ninguém entendia.
Desde pequena, Juliana era uma criança motivada e comprometida com o tempo. Os brinquedos e os livros eram carinhosamente cuidados. Mas adorava cortar o cabelo das bonecas. Da Belle, sua boneca de pano, cuidava com muito carinho, e a dona Ursa e seus filhotes, em uma casinha de bonecos, eram protegidos e guardados de qualquer aproximação, quando muito só podiam ser olhados.
O sentimento de perda do tempo era afastado ao lembrarem da frase: aproveitem os bons tempos.
Em raros momentos nos fins de tarde, como se tivesse um belo par de asas, ela deixava o seu olhar deslizar no horizonte e acompanhavam o sol se pondo, esperando com serenidade a noite chegar.
A maior preocupação de Juliana era aprender. Quando brincava com a irmã menor gostava de caça-palavras ou dos jogos com perguntas de matemática.
Muitas vezes não se dava conta de que os bons tempos eram sempre diferentes, pois se espalhavam como os grãos de areia, na praia, difíceis de encontrar.
“Por que não Letras ou História, afinal você gosta tanto de estudar e em qualquer uma delas ficará bem”, é o que lhe diziam seus pais. Mas ela queria mais. Os símbolos, conceitos, números, fórmulas e os teoremas eram o seu mundo encantado. Seus pensamentos voavam, ao pensar no número oito. Esse era o seu símbolo predileto, talvez por ser intrigante, quando na horizontal era a eternidade, como dizia o significante do significado do que não tem princípio nem fim.
O tempo passava tão unido sem existência definida de cada instante.
Mas a menina precisava de muitas e de muitas horas mesmo, as provas estavam próximas. Seis a oito horas parecia tão pouco por dia, quase sempre esquecia as refeições.
Os tempos começaram a ir e voltar em busca de um rumo.
Juliana sempre sentia que o tempo era pouco e que precisava de muito, mas muito tempo mesmo.
Assim os bons tempos, começaram a criar um sentido próprio.
Quando estava no último ano de Biologia na USP, entrou como estagiária numa multinacional de assessoria, gostou do trabalho e evoluiu.
Aos poucos foram se dissolvendo em horas e mais horas que, nos infinitos instantes, se multiplicaram cada vez mais.
Depois Juliana resolveu fazer FGV, a Fundação Getúlio Vargas, caminhou muito, mas muito depressa, por um processo inconsciente, seguindo sempre em frente. Como a melhor aluna de todas as turmas do ano, foi homenageada.
Muitos instantes ficavam tão espalhados que se perdiam entre os outros rapidamente.
Fez sua inscrição em três universidades, escolheu Chicago. O avião não fez escalas. Juliana desceu no de O`Hare Internacional Airport (ORD).
Os instantes eram seguidos, mas traduziam mais o tempo. O que tinham pensado ou feito não poderia ter pensado, ou feito ontem, nem amanhã, pois há sempre um tempo sensível e certo para tudo.
Seu Inglês era muito bom, não tinha nem sotaque, o que facilitou muito a sua vida e, por lá, traduziu e conseguiu tempo para trabalhar e transcrever as palestras de alguns professores. Estudou na Universidade de Chicago com bolsa da multinacional, onde estagiara. Terminou seus estudos, e no diploma lá estava a inscrição: Com Honra, por ter tido notas acima da média da sua turma.
Juliana conseguiu que os instantes correspondessem às horas apropriadas e assim o tempo das flores e o dos frutos puderam ser.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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