Não raro ouvimos pessoas se referindo a filhos adotivos como “filhos do coração”. É uma belíssima figura de linguagem, a intenção, sem sombra de dúvidas, é a melhor possível: dizer a esses filhos que eles foram desejados, amados e gestados no coração, órgão a que atribuímos não só o fato de estarmos vivos, mas também de sermos capazes de amar.
A escritora Hália Pauliv, grande nome no mundo da adoção, no entanto, ensina duas coisas importantíssimas, que nos fazem repensar essa forma de tratar a filiação adotiva: em primeiro lugar, crianças nem sempre têm capacidade de identificar a figura de linguagem utilizada, e passam a imaginar o crescimento de outra parte do corpo da mãe, que não a barriga, como acontece com o nascimento das pessoas no mundo à sua volta. Procuram e não veem nenhum corpo com o coração crescido, como se estivesse gerando uma nova vida. No lugar de se sentirem acolhidas e escolhidas, o efeito pode ser inverso – a certeza de serem diferentes.
E o segundo ponto, talvez ainda mais importante: afasta a origem biológica. Todas as pessoas são filhas biológicas de alguém. É importante nunca deixar isso de lado. Por mais que o biologismo não defina os filhos adotivos, faz parte de quem eles são.
Este é o motivo pelo qual a própria lei se preocupou em garantir, no art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito que o adotado tem de conhecer sua origem biológica, bem como obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada, e seus eventuais incidentes. Foi, no entanto, colocado um critério: após os 18 anos.
Quando falamos dessa busca pelas origens, pelo encontro com a família biológica, algumas coisas não podem ser perdidas de vista. Nem todo filho adotivo nutre o desejo de procurar sua família biológica. Do outro lado da moeda, nem todos os pais adotivos lidam bem com a possibilidade desse encontro. O resultado, muitas vezes, é a busca solitária e escondida, ou a postergação desse encontro para depois do falecimento dos pais adotivos, por medo da decepção.
E quando existe a decisão pelo encontro, para muito além das dificuldades em efetivamente localizar e estabelecer contato com essa família, há o completo desconhecido de como será o encontro.
Toda adoção nasce de falhas anteriores. Violência, negligência, negação de direitos fundamentais. Cada história é única e nenhuma delas escapa de traumas. Caso assim o fosse, não haveria necessidade de retirada dessas crianças e adolescentes de seus núcleos familiares para reinserção em novos.
Tudo isso faz parte da história das pessoas envolvidas. E justamente por esse motivo é necessário que os pais adotivos cuidem dos seus medos e inseguranças e sejam verdadeiros parceiros e apoiadores da decisão e do percurso dos filhos se e quando decidirem buscar suas origens.
Retratando realidades diametralmente opostas, podemos ilustrar esse encontro como retratado no filme Lifemark, no qual a família biológica recebe o filho e a família adotiva de braços abertos e com todo o amor do mundo, criando, inclusive, um novo laço de amizade, ou como descrito no livro Nunca vi a chuva, do escritor Stefano Volp, quando os filhos se deparam com uma mãe vivendo em total miserabilidade e escutam dela que não gostaria que eles a tivessem encontrado.
Muitas são as situações possíveis. Certamente, nenhuma delas será fácil de trilhar, especialmente se o caminho for galgado sozinho. E ainda mais, se com o receio de magoar quem se ama.
Repetimos sempre que a verdade deve permear a filiação adotiva desde o primeiro momento, não importando a idade com que esse filho chegue.
Para além dela, é necessário também o respeito às origens, o esclarecimento dos direitos e a parceria na jornada, seja para sorrir junto ou para sermos suporte, se o que eles encontrarem for dor.
A busca pelas origens é um direito. Buscá-las é uma decisão. Sermos suporte é a materialização de amor e respeito.
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