A presença do tema da diversidade como prioridade na agenda de responsabilidade social das empresas está cada vez mais perceptível. Atualmente o Pacto de Promoção da Equidade Racial da ONU é formado por 55 empresas signatárias. Essa mudança apresenta-se como um dos maiores desafios para as organizações – segundo o levantamento feito pela B3, apenas 11% das empresas listadas têm pessoas negras na diretoria e conselho.

Diversidade de pessoas é questão relacionada à pluralidade de identidades e características em termos de raça, etnia, gênero, idade, sexualidade, entre outros. Equipes com diversidade racial são formadas por pessoas pertencentes a diferentes grupos raciais, que carregam consigo diferentes repertórios culturais, em função dos processos históricos. De acordo com o IBGE, os grupos raciais são os pardos (45,3%), os pretos (10,2%), que juntos correspondem à população negra, os indígenas (0,8%) e os amarelos (0,4%) – esses quatro grupos representam a cultura não dominante. Os brancos, que representam a cultura dominante, representam 43,5% da população. É importante sinalizar que existem nuances interseccionais dentro dos grupos.

A presença ou ausência da diversidade é percebida pelo teste do pescoço. Em termos práticos, ter 50% da equipe formada por pessoas negras e essa representatividade não se refletir nos cargos de maior remuneração e senioridade, por exemplo, não configura uma prática de diversidade. Ações superficiais são apenas para inglês ver e têm colaborado para o retrocesso da pauta.

Ao longo da experiência como Consultora na Crescimentum – responsável por programas de equidade racial em empresas, que já possuem área de D&I estruturada, metas, políticas bem definidas e com programas de letramentos bem consolidados –, tenho percebido como é urgente o diálogo honesto sobre os desafios de liderar uma equipe diversa.

Passei a estudar sistematicamente a formação de equipes com diversidade racial após ouvir de uma cliente, na reunião de briefing do Programa de Desenvolvimento de Liderança, que o maior desafio das lideranças da área era manter os excelentes resultados sem deixar “rastro de sangue”. Durante o projeto ficou evidente que as questões raciais e as interseccionalidades estavam contribuindo para o agravamento das entropias da equipe. Portanto, aprender a lidar com os desafios quando a questão racial está em jogo é crucial para garantir a sustentabilidade dos resultados e os impactos sociais.

Equipes de alto rendimentos são construídas. O percurso requer uma liderança disponível para promover experiências que permitam interação horizontal com outras culturas, capaz de mediar conflitos e tomar decisões impopulares no intuito de gerar mudanças no status quo. À medida que as pessoas vivem o processo de transformação pessoal, a equipe vai sendo capaz de potencializar os ganhos com a diversidade.

 

Estágios da formação de uma equipe com diversidade racial

Ao analisar modelos teóricos sobre o processo de desenvolvimento de equipes diversas, importados acriticamente dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, notei a ausência de elementos que contemplassem a complexidade das questões raciais no Brasil. E desde então venho questionando se o caminho do sucesso comprovado lá fora é suficiente para pensar a construção de equipes de alto rendimento com diversidade racial no contexto brasileiro.

O processo de desenvolvimento de equipes diversas precisa ser articulado também por lentes diversas, sobretudo de intelectuais negras. Destaco aqui o trabalho da Lélia Gonzalez e da Cida Bento, fundamentais para que eu pudesse compreender a dinâmica das equipes nas empresas, sobretudo a realidade das pessoas negras no universo coorporativo, que passaram por mentorias comigo nos últimos anos. Dito isso, ofereço uma reflexão desse processo a partir de quatro estágios de desenvolvimento.

Formação inicial: reconhecimento das diferenças dos grupos raciais. A dinâmica das relações acontece pelo viés do embranquecimento, ou seja, pessoas da cultura não dominante assimilam normas e padrões de comportamentos da cultura dominante, perdendo suas características de origem. Baixo letramento racial, pessoas vistas a partir de estereótipos, com a crença central da democracia racial, que nega a existência de discriminação e preconceito.

Desestabilização: tensões raciais começam a surgir, em razão do esforço demandado pela exposição das pessoas culturalmente diferentes umas das outras. Nega-se a tensão, há pouca interação e, quando existe, está marcada pela relação de supervalorização da cultura dominante e a folclorização da não dominante. Nesse momento há o silenciamento das pessoas não brancas. Evita-se falar dos desconfortos, as práticas do tokenismo criam uma falsa ideia de diversidade e o policiamento de tom são comuns. Raiva, ansiedade, frustração, confusão de identidade, impaciência e desamparo são alguns dos sentimentos presentes, em relação ao novo.

Equalização: Acontece a diluição da tensão racial e a valorização das histórias de vidas. Nesse estágio, as diferenças culturais são vistas como vantagem competitiva e a relação de confiança começa a ser fortalecida. Adoção de rituais de letramento racial para reduzir as inseguranças e o mal-estar causados pelo desconhecimento das culturas não dominantes. A equipe constrói acordo de convivência, realiza trocas de feedbacks constantes e encara conversas difíceis. Pessoas da equipe aprendem como se relacionar com culturas diferentes e surgem novos códigos culturais que são percebidos visualmente.

Inclusão: surge uma cultura heterogênea. Nas equipes observamos ajustes intencionais tanto nas estruturas organizacionais e políticas institucionais como nas práticas e ritos culturais, em busca da valorização de culturas não dominantes. No nível individual, há incorporação de novas crenças e valores e mudanças nos comportamentos das pessoas.

Não há pretensão de se oferecer um modelo rígido. É improvável que o desenvolvimento da equipe aconteça de forma linear e uniforme, ou até que exista uma equipe operando no estágio da inclusão a todo momento. Esta estrutura serve de bússola para que as equipes possam mapear as entropias, ou seja, identificar as oportunidades de desenvolvimento e perceber como estão oscilando de estágios, quando se tem influência de fatores externos, como entrada de uma nova pessoa ou a queda nos resultados financeiros. Uma vez que os padrões culturais brasileiros expressam relações de poder, a proposta apresentada tem aplicabilidade nas outras dimensões de diversidade, por exemplo no gênero, origem, classe social e assim por diante.

Pode parecer simples identificar o estágio da equipe. Mas é extremamente difícil, principalmente porque isso implica em admitir a presença do racismo. A construção de uma equipe diversa, portanto, exige altos níveis de vulnerabilidade e consistência que poucos conseguem ter. Por fim, o sucesso está na capacidade das pessoas produzirem reflexões verdadeiras e profundas acerca da presença do racismo na equipe e de atuarem sistematicamente para desmontá-lo.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.