Do Silêncio ao Silício: Danielle Marques cria programa para empreendedores negros

Moradora de uma região periférica, no interior de São Paulo, a administradora incentiva a imersão de brasileiros no maior polo tecnológico global

Divulgação
Danielle Marques leva empreendedores negros à maior capital da inovação, nos EUA Foto: Divulgação

Danielle Marques percorreu quase 10 mil quilômetros entre São Paulo e a Califórnia para descobrir que, apesar dos contrastes sociais e tecnológicos, a periferia onde ela mora, em Ribeirão Preto, no interior paulista, tem muito em comum com o Vale do Silício, nos Estados Unidos.

A constatação inspirou a administradora a criar o programa Do Silêncio ao Silício, que há dois anos conecta empreendedores negros ao maior polo de inovação global. Mais de 20 brasileiros já participaram da experiência imersiva, que combina formação e propósito.

Em parceria com o movimento Brazil at Silicon Valley, uma organização sem fins lucrativos liderada por estudantes de Stanford e Berkeley, ambas universidades localizadas na Califórnia, o programa é voltado para empreendedores da área de tecnologia com negócios desenvolvidos no Brasil.

Para participar da imersão, os interessados precisam se inscrever por meio de um edital e são selecionados por meio de um processo seletivo. “Iniciamos com uma entrevista por vídeo, depois realizamos uma dinâmica em grupo e, por fim, avaliamos o negócio como um todo”, explica.

Na última edição, realizada em abril, o destaque foi a diversidade dos perfis selecionados, especialmente pelo crescimento da participação feminina. “É nítido como muitas mulheres estão crescendo no setor de inovação e liderando as próprias empresas.” Danielle ainda ressalta a presença de pessoas LGBTQIAPN+. “Neste ano, inclusive, levamos pela primeira vez uma mulher negra trans na imersão”, destaca.

Com o objetivo de expandir as atividades do programa, ela pretende fortalecer a conexão entre os participantes, incluindo encontros após a viagem. “O networking que realizamos durante os três dias é intenso, mas não acontece apenas nesse momento, há um preparo anterior e também é necessário um acompanhamento depois”, garante.

Em 2026, a intenção de Danielle é explorar um novo destino. Ela quer levar os empreendedores negros para a China. “Existem diversos lugares como o Vale do Silício no mundo, especialmente no Brasil, então quero conhecer e compartilhar esses espaços”, ressalta.

As origens

Formada em administração de empresas, com especialização em aceleração de startups, Danielle conta que a vontade de empreender surgiu da própria realidade. “Os primeiros exemplos que tive de empreendedores foram os meus pais”, relembra.

Assim como na casa da administradora, a maioria dos negócios que ela conhecia era aberta por necessidade e não por oportunidade. “Demorei anos para entender que o empreendedorismo também poderia ser uma identificação de mercado”, diz.

A visão de Danielle começou a mudar no momento em que ela decidiu estudar sobre afroempreendedorismo, ainda na faculdade, mas o que realmente chamou a atenção dela foram os números. “Mais da metade dos empreendedores do país são negros, no entanto, dados do Sebrae mostram que, em geral, esses negócios são menos lucrativos e têm baixa formalização.”

Intrigada, a administradora decidiu buscar respostas. Ela se aproximou de empreendedores negros da periferia onde vive e de outras regiões de Ribeirão Preto, tentando entender, na prática, os desafios enfrentados por eles. “Participei da organização de uma feira de empreendedorismo e foi ali que entendi as inúmeras necessidades enfrentadas.”

A experiência a motivou se inscrever no núcleo de empreendedores da USP, no curso de extensão de aceleração de negócios. “Eu era a única aluna de fora, todos os outros estudantes eram da universidade”, destaca.

Mas a combinação entre teoria e prática despertou na administradora uma relação mais consciente e inclusiva do afroempreendedorismo. “Quando concluí minha primeira graduação, comecei a trabalhar em uma startup brasileira e senti falta de pessoas negras em cargos de liderança”, afirma.

Enquanto assistia a uma live sobre diversidade e inclusão, em casa, Danielle descobriu o seu interesse pelo Vale do Silício, um lugar que, até então, parecia distante da sua realidade.

Sem recursos, a administradora criou uma campanha de crowdfunding nas redes sociais e, em poucos dias, arrecadou todo o valor necessário. “Crescer em uma comunidade periférica, onde as oportunidades são escassas, me fez buscar soluções e encontrar caminhos”, detalha.

Ao pisar no Vale do Silício, Danielle entendeu a importância do polo tecnológico para o ecossistema da inovação, mas também reconheceu muitas semelhanças com a realidade de onde veio. “Me senti dentro dos filmes da Disney, mas, ao mesmo tempo, encontrei muitos trabalhos iguais aos que acontecem no meu bairro. A diferença é que lá eles têm estrutura, incentivo, rede de apoio.”

De volta ao Brasil, Danielle desenvolveu o programa Do Silêncio ao Silício, e passou a enxergar a iniciativa como uma ponte entre os empreendedores negros e os grandes centros globais de inovação.