Foi sancionado o Projeto de Lei nº 1.085, no início deste mês, tornando obrigatória a equiparação salarial entre homens e mulheres que atuam na mesma função, e estabelecendo mecanismos de transparência e punições mais duras para a empresa que a descumprir. É uma grande vitória das mulheres na luta pela igualdade, e que deve ser realmente celebrada! Com o apoio legal fica mais fácil combater grandes males do mercado corporativo vivido por nós: o preconceito e a desvalorização profissional, que é uma das muitas facetas do assédio.
Mas como definir com precisão o que é o assédio? Já me deparei muitas vezes com a difícil tarefa de explicar esse conceito que é, ao mesmo tempo, tão abstrato para quem não sofre o problema – e tão palpável para quem vivencia. Então vale voltar lá atrás, na origem da palavra, para tentar explicar.
Originário do termo assideo, em latim, a etimologia remete a “acampar, sitiar, ajudar, ocupar-se assiduamente” (fonte: Jornal Jurid, 2023). Mesmo quando o assédio acontece uma única vez, de forma pontual, trata-se exatamente disso: de uma atitude invasiva e insistente que pode se materializar de diferentes formas, no âmbito moral e/ou sexual.
A frase que dá título a esse artigo é apenas uma das que já ouvi em minha trajetória profissional. Ser “a filha do dono” talvez tenha me poupado de alguns assédios mais explícitos de cunho sexual, mas nunca do preconceito de gênero que, constantemente, questiona nossa capacidade e conhecimento – e reflete em discriminações institucionais como a da própria desigualdade salarial e da presença muito menor de mulheres nas lideranças.
Lembro-me de que, logo no começo de minha trajetória na Apsen, a empresa passou por uma severa crise financeira e fui a responsável por gerir essa questão com meu pai, principalmente na negociação com credores. E era impressionante a cara de decepção das pessoas quando se sentavam à mesa comigo para discutir. “Essa menina é quem vai negociar com a gente” – era o que não diziam, mas ficava estampado na cara da maioria deles…
Isso sem contar inúmeros convites escusos, ou insinuações e brincadeirinhas preconceituosas que, muitas vezes, temos de ouvir e ainda fazer cara de paisagem!
Crescemos em uma sociedade machista e preconceituosa, e muitas coisas estão enraizadas em nossas falas e comportamentos, é verdade, mas também é fato de que mais do que nunca temos acesso à informações e ao poder de ressignificar o que fazemos.
Já está mais do que na hora de nos sentarmos à mesa para as discussões e não somente ficarmos ao lado, esperando as decisões masculinas!
Temos que buscar nosso espaço, nos impor, criar um pensamento feminino, uma liderança feminina e não simplesmente nos adaptar aos padrões criados pelos homens há séculos e séculos.
É necessário jogarmos para lá nossa eterna síndrome da impostora, que nos impede de alcançarmos postos mais altos e nos deixa encurraladas entre sucesso profissional e realização pessoal. Ou seja: para nós, mulheres, ainda tem que ser uma coisa ou outra, embora ambas as realizações possam (e devam) andar juntas!
Para começar, precisamos dar um basta às pressões da sociedade para que a mulher seja a principal cuidadora da casa e dos filhos, o que faz com que ela acabe dispondo de menos tempo para horas extras excessivas, happy hours, jantares de negócios. Muitas vezes, nos desdobramos nos horários vagos para darmos conta de tudo, enquanto os homens mantêm esses momentos mais livres e se dedicam a fazer networking e trabalhar para suas “promoções”. A mulher que sai no meio da tarde para fazer a unha é vista com desconfiança, e a que está com as unhas descuidadas em uma reunião de negócios é tida como relaxada! Oi? Como dar conta de tudo isso ao mesmo tempo?
Outro fator que vejo como um “empecilho” é que o público feminino tende a ser menos disposto a fazer acordos e a participar de jogos corporativos! Eu enfrento dificuldades como essas todos os dias. Sempre fui muito fiel à minha essência, e precisei ser muito forte para me manter firme à minha personalidade, em tudo que acredito e que me faz feliz. E essa é uma luta que preciso travar a cada dia.
Eu acredito realmente que estamos vivendo um momento de ajustes, e que o mercado de trabalho vai se adaptar às demandas femininas,mas, para que isso ocorra, precisamos continuar nossas lutas.
O Projeto de Lei nº 1.085 é uma vitória significativa, mas ainda precisamos continuar combativas e atentas aos pequenos preconceitos do dia a dia. Precisamos nos unir para que a mudança das leis seja acompanhada por aquela que realmente promove resultados transformadores: a mudança cultural.
Continuemos a lutar por isso!
Busque seu propósito. Deixe o seu legado.
Rê Spallicci
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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