Estudo expõe ausência de mulheres negras na liderança de decisões climáticas

Estudo da FGV Direito SP e do Geledés mostra que apenas 23% das normas globais sobre clima mencionam afrodescendentes, e quase todas sem força legal

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apenas 23% dos textos mencionam afrodescendentes, e 95,6% dessas menções estão em normas sem força legal Foto: Envato

Mesmo diante dos impactos desproporcionais das mudanças climáticas sobre as mulheres negras, elas continuam praticamente ausentes dos espaços de decisão global. Um estudo inédito da FGV Direito SP, em parceria com o Geledés – Instituto da Mulher Negra, mostra que a desigualdade também se expressa na linguagem e nas leis que regem o debate ambiental global. 

A pesquisa, intitulada “A raça e o gênero da justiça climática: mapeando desigualdades na normativa global”, analisou 115 documentos internacionais produzidos entre 1992 e os preparativos da COP30. O resultado revela o apagamento histórico das questões raciais na governança ambiental: apenas 23% dos textos mencionam afrodescendentes, e 95,6% dessas menções estão em normas sem força legal, ou seja, sem qualquer obrigatoriedade de cumprimento pelos países.

Mulheres negras e a crise climática

De acordo com o estudo, as normas internacionais têm avançado no reconhecimento de gênero e pobreza como fatores de vulnerabilidade climática, mas o racismo ainda não é tratado como um eixo estruturante da crise ambiental. As pesquisadoras apontam que a ausência de raça e gênero nas políticas climáticas reflete uma “cegueira racial da governança”, na qual as desigualdades históricas e territoriais permanecem sub-representadas.

Dados recentes reforçam o cenário de vulnerabilidade: em São Paulo, 55% das pessoas que vivem em áreas de risco de deslizamento são negras, segundo o Instituto Pólis. O levantamento também cita que, nas enchentes de 2023, mais de 70% das vítimas fatais eram mulheres negras e crianças.

Para o Geledés, esse cenário reflete a lógica do racismo ambiental, que aprofunda vulnerabilidades socioeconômicas e territoriais e exclui comunidades negras do direito de decidir sobre seus próprios territórios, recursos naturais e o futuro coletivo.

Importância da linguagem e da ausência de normas

Segundo o estudo, no campo jurídico internacional, a presença ou ausência de determinados termos define quais grupos são contemplados por políticas públicas. Quando “raça” e “afrodescendência” não aparecem nos textos oficiais, as populações afetadas podem ficar sem amparo legal, orçamento específico ou mecanismos de monitoramento.

A pesquisa observa ainda que a linguagem adotada em muitos acordos climáticos utiliza expressões amplas, como “comunidades vulneráveis” ou “países em desenvolvimento”, sem detalhar as desigualdades internas. Essa generalização acaba por dificultar a criação de políticas voltadas a grupos específicos, como as mulheres negras.

COP30 e recomendações

Com a COP30 marcada para ocorrer em Belém, o estudo aponta que o evento representa uma oportunidade para incluir, de forma estruturada, raça e gênero nas diretrizes internacionais de justiça climática.

Durante a Conferência de Bonn (SB 62), em junho de 2025, documentos preparatórios chegaram a mencionar afrodescendentes nos rascunhos do Plano de Ação de Gênero e do Programa de Transição Justa. No entanto, as referências foram retiradas da versão final da Meta Global de Adaptação, que define os compromissos concretos de implementação.

Entre as recomendações apresentadas pelo relatório estão:

  • Padronização terminológica de afrodescendentes nos marcos internacionais;
  • Adoção obrigatória de dados étnico-raciais nas políticas climáticas;
  • Participação de organizações afrodescendentes na governança da UNFCCC; 
  • Destinação de recursos de adaptação e financiamento climático para comunidades afrodescendentes e quilombolas.