Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o filme “Ainda estou aqui” conta uma história dolorosamente brasileira. O longa parte das memórias do escritor para reconstituir a vida da família do deputado Rubens Paiva, depois que ele foi sequestrado e morto por agentes da ditadura militar, no início dos anos 1970. Apaixonado pela história e principalmente por Eunice Paiva, a mulher que “é o coração deste romance”, Walter Salles comprou os direitos de adaptação do livro e fez um filme que surpreendeu críticos e plateia ontem em sua exibição no Festival de Cinema de Veneza.

Protagonizado por Fernanda Torres e com Selton Mello no papel do deputado Rubens Paiva, o filme foi aplaudido por dez minutos – emocionando a plateia e também a equipe brasileira. “Ainda estou aqui” concorre ao Leão de Ouro, um dos prêmios mais prestigiados do cinema mundial, e pode ser a aposta brasileira para o Oscar. No elenco ainda está presente a fabulosa Fernanda Montenegro, que interpreta Eunice em sua velhice.

Em sua entrevista depois da exibição do filme, Fernanda Torres diz ter ficado orgulhosa por interpretar mulher tão desbravadora e politicamente avançada. Se o filme se consolidar como a nossa aposta ao Oscar, a atriz pode concorrer ao prêmio máximo do cinema 25 anos depois que sua mãe, Fernanda Montenegro, também concorreu representando o Brasil, como protagonista de “Central do Brasil”, longa de Walter Salles, o mesmo diretor de “Ainda estou aqui”.

Quantas vidas teve Eunice

Foi no dia 20 de janeiro de 1971 que a família do deputado Rubens Paiva o viu pela última vez. Estavam todos em casa, quando agentes do DOI-CODI, o Departamento de Operações de Informações do governo federal, chegaram na residência da família no Leblon, no Rio de Janeiro, e levaram o deputado Rubens Paiva para prestar depoimento. Logo depois sua mulher, Eunice Paiva, e a filha mais velha, também foram levadas – Maria Eliana ficou presa um dia e a mãe 12. Desde que voltou para casa, Eunice passou a exigir a verdade sobre o seu marido, reivindicando o reconhecimento de sua morte e a revelação do lugar onde estaria enterrado.

Eunice passou a criar sozinha os cinco filhos – além de Marcelo e da Maria Eliana, mais três meninas: Ana Lúcia, Vera e Maria Beatriz. Determinada a vencer na sua luta pessoal e política, ela se formou em Direito, começando a atuar em muitas causas que só recentemente são consideradas mais significativas pela sociedade. Em 1987, fundou o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente, ONG que atuou até 2001 na defesa dos povos indígenas.

No livro “Ainda estou aqui”, Marcelo Rubens Paiva resgata a dramática história familiar tendo a trajetória de sua mãe como fio condutor – ele acompanha cada conquista daquela mulher de muitas vidas, que nunca chorou diante das câmeras. Só em 1996 Eunice conseguiu que o Estado brasileiro emitisse oficialmente o atestado de óbito de Rubens Paiva. Ela morreu em 2010, aos 86 anos, tendo vivido os últimos 14 com a doença de Alzheimer.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da IstoÉ