Fim do home office pode ampliar desigualdade e reduzir presença feminina

Três anos após a pandemia, a volta obrigatória aos escritórios ameaça os avanços que a flexibilidade permitiu às mulheres

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A chamada “penalidade da maternidade” segue como um dos principais motores da desigualdade.  Foto: Envato

A pandemia abriu uma brecha inédita na rotina de quem trabalha. O modelo remoto, mesmo que exaustivo, proporcionou algo até então raro: a possibilidade de conciliar carreira, responsabilidades domésticas e cuidado com os filhos.Para muitas mulheres, especialmente as mães, foi a primeira vez que o mercado reconheceu, ainda que de forma circunstancial, que o trabalho também acontece fora do escritório. 

Três anos depois, o movimento inverso começou a se consolidar. O retorno ao trabalho presencial tem reduzido parte da flexibilidade conquistada durante a pandemia, o que dificulta a permanência e o avanço das mulheres no mercado de trabalho.

Em qualquer recorte de escolaridade, elas seguem mais instruídas que os homens: têm mais anos de estudo, são maioria nas universidades e também entre os formados. Mesmo assim, a diferença salarial persiste.

De acordo com o Relatório de Transparência Salarial do Ministério do Trabalho e Emprego, as mulheres ganham, em média, 20,9% menos que os homens no Brasil, mesmo em cargos equivalentes. O abismo cresce quando se trata de mães e mulheres negras.

A “penalidade da maternidade”

Segundo o IBGE, 58,9% das mulheres com filhos de até cinco anos participam do mercado de trabalho, enquanto entre aquelas sem filhos o índice sobe para 72%. Já entre os homens, 92,2% dos pais e 89% dos não pais estão empregados.

Para as mães solo, o cenário é ainda mais desafiador. De acordo com levantamento do FGV IBRE, 32,4% das mães solo com filhos pequenos estão fora da força de trabalho, e 10% estão desempregadas. A falta de apoio institucional e a sobrecarga de cuidados são fatores decisivos para que muitas delas não consigam permanecer no mercado.

A chamada “penalidade da maternidade”, termo usado por economistas para descrever a queda na renda feminina após o nascimento dos filhos, segue como um dos principais motores da desigualdade. 

A saída dessas mulheres do mercado não é apenas um problema individual, mas uma perda coletiva. Segundo estudo da FGV Ibre, se a “economia de cuidado” fosse contabilizada, tanto o trabalho remunerado quanto o não remunerado, hoje ela representaria 13% do PIB nacional. 

Impactos da volta ao presencial

Durante a pandemia, porém, o modelo híbrido mostrou outra realidade possível. Políticas de flexibilidade ajudaram a reduzir a evasão feminina e ampliaram a presença de mulheres em cargos de liderança. 

Com a volta total ao presencial, parte dessas conquistas se perdeu. A sobrecarga doméstica voltou a pesar no dia a dia e muitas delas acabam optando por cargos com menor remuneração, horários reduzidos ou até pelo abandono do emprego para ter mais tempo para cuidar do lar.

Segundo um estudo do Insper em parceria com a consultoria Robert Half,  em um cenário de diminuição parcial do home office, 77% das mulheres disseram que deixariam a empresa, contra 66% dos homens. Se a modalidade fosse totalmente extinta, 81% das que hoje atuam integralmente em casa afirmaram que buscariam outro emprego.

O impacto do retorno presencial ainda está em consolidação, mas os levantamentos já apontam uma tendência: políticas flexíveis ampliam a participação feminina e favorecem a retenção de talentos, enquanto formatos rígidos tendem a acentuar desigualdades históricas.