Há cinquenta anos, no dia 24 de outubro de 1975, cerca de 90% das mulheres islandesas decidiram que não trabalhariam, cozinhariam ou cuidariam dos filhos naquele dia. Escolas fecharam, fábricas ficaram vazias, lojas reduziram o expediente e bancos suspenderam as atividades. Pela primeira vez, os homens assumiram o cuidado com as crianças e a rotina da casa enquanto as mulheres foram às ruas reivindicar por igualdade e visibilidade.
O movimento ficou conhecido como Kvennafrí, a Greve das Mulheres Islandesas, e marcou um divisor de águas na história do país. Entre as milhares que participaram das greves, mais de 25 mil somente na capital, Reykjavík, estava Vigdis Finnbogadóttir, que cinco anos depois se tornaria a primeira mulher eleita presidente democraticamente no mundo.
Na época, o cenário era desigual. Apesar de as islandesas terem conquistado o direito ao voto em 1915, a representatividade política seguia estagnada: em 1975, apenas três mulheres ocupavam cadeiras no Parlamento (5% do total), enquanto os outros países nórdicos já alcançavam entre 16% e 23%. A frustração com essa disparidade foi o estopim para a mobilização.
O impacto foi imediato. A partir da greve, a presença feminina na política islandesa cresceu de forma consistente, e a agenda de gênero se tornou prioridade nacional. Em 1980, Finnbogadóttir assumiu a presidência e três décadas depois, em 2010, o país elegeu a primeira primeira-ministra abertamente gay do mundo, Johanna Sigurdardóttir.
Mas o legado da greve não se limitou à política. Em 2000, a Islândia instituiu uma licença parental igualitária e remunerada, garantindo que pais e mães compartilhassem o cuidado com os filhos. Em 2018, aprovou a lei de igualdade salarial, que obriga empresas a comprovarem remuneração igual para homens e mulheres, sob pena de multa. E hoje, o Parlamento islandês tem 46% de mulheres.
Essas políticas fizeram da Islândia um exemplo mundial. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o país ocupa há 17 anos consecutivos o primeiro lugar no Índice Global de Disparidade de Gênero, tendo eliminado mais de 90% das desigualdades em educação, saúde e oportunidades econômicas, o único país a ultrapassar essa porcentagem. Hoje, quase 90% das mulheres em idade ativa participam do mercado de trabalho, contra menos de 68% na União Europeia.
Parte desse sucesso vem da implementação de políticas públicas eficientes. O governo investe 1,7% do PIB em creches e apoio à parentalidade, mais que o dobro da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e estabelece cotas de gênero em conselhos e diretorias, com mínimo de 40% de participação feminina.
Hoje, os principais cargos do país: presidente, primeira-ministra, bispo e chefe de polícia, são ocupados por mulheres, algo inédito na história da Islândia. Ainda assim, a luta iniciada com a greve de 1975 está longe de acabar, segundo o Fórum Econômico Mundial, ainda levará 134 anos para alcançar a paridade total entre homens e mulheres ao redor do mundo.