O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje o julgamento do  marco temporal, a principal aposta do agronegócio para travar as demarcações de terras indígenas e questionar territórios já demarcados.

A Corte Suprema vai definir se é constitucional ou não considerar o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição brasileira, como o marco temporal de demarcação de terras indígenas. Esta definição terá que ser seguida por tribunais de todas as instâncias no país.

Se não conseguirem provar que ocupavam a área na data exata, centenas de grupos indígenas que foram expulsos de forma violenta de territórios – como ocorreu regularmente na ditadura militar de 1964, por exemplo – perderão o direito à terra, em caso de reconhecimento da tese.

O setor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estima que a aprovação afetaria 90% das mais de 200 terras indígenas em processo de demarcação. Por isso a análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF)  já é denominada de “julgamento do século”, considerada como pauta prioritária por todas as organizações indígenas e indigenistas.

O placar da votação está em 4 a 2 contra a tese jurídica defendida por ruralistas. Os únicos votos favoráveis são de André Mendonça e Nunes Marques, dos dois indicados à Corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Até agora foram contra o marco temporal os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso. Ainda faltam votar Carmen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

A expectativa dos indígenas é positiva. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) já manifestou confiança de que o desfecho será favorável aos povos indígenas.

A Constituição brasileira assegura o direito originário dos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas, sem mencionar nenhum critério de tempo para demarcações. Por isso o marco temporal é considerado nitidamente inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF) e estudiosos do tema.

A indenização a fazendeiros preocupa. Apesar de ter rejeitado o marco temporal, o voto do Ministro Alexandre preocupa as lideranças e movimento indígenas. Na proposta deste Ministro, ocupantes não indígenas “de boa-fé” poderiam ser indenizados também pelo valor da terra.

Ao desapropriar uma área que será destinada aos indígenas, a indenização paga atualmente é equivalente às construções erguidas no território.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) avalia que os povos indígenas vão ficar à mercê de uma indenização a ser paga ao fazendeiro para ter o seu território. Segundo a APIB existe um problema orçamentário que desconsidera integralmente o direito originário dos povos indígenas, sem levar em conta toda lesão que os povos indígenas sofreram, e ainda premiando invasores de terras, pessoas que adquiriram ou não de boa-fé essa área.

O STF interrompeu a votação do marco temporal em 2021, após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. A paralisação permitiu que parlamentares avançassem com o tema na Câmara, onde o marco temporal foi aprovado em regime de urgência.

O projeto de lei tramita no Senado de forma regular, passando por todas as comissões, e é defendido por senadores ruralistas. Existe uma forte articulação com vistas a colocar o texto em votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nessa quarta-feira, mesmo dia em que o tema é analisado pelo STF.

Afinal, quem tem a última palavra, STF ou Congresso? Embora existam vários atores buscando regulamentar o tema, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) a prerrogativa de interpretação da Constituição Federal é do Supremo. Porém, segundo pesquisadores que fazem parte do projeto Nova Cartografia Social na Amazônia, caso o Legislativo finalmente aprove o marco temporal nada impede que essa nova lei também seja judicializada.

Diante do acima exposto, vale uma convocação para que a sociedade civil brasileira esteja atenta para a votação do marco temporal.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.