Negros são a maioria da população brasileira, de acordo com dados divulgados pelo Censo de 2022, sendo que as mulheres negras, aqui incluídas as pretas e pardas, somam 28% do total da população brasileira. São 60,6 milhões de mulheres negras, divididas entre pretas (11,30 milhões) e pardas (49,30 milhões).
No entanto, quando olhamos para o posicionamento dessas mulheres na sociedade, vemos que raramente ocupam posições de destaque, como chefes e tomadoras de decisões. O Informe n. 02, dedicado ao monitoramento e avaliação de mulheres negras, da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SENAPIR), ligado ao Ministério da Igualdade Racial, aponta que essas mulheres são maioria no mercado de trabalho (67%), apenas quando olhamos para os setores de serviços e cuidados, onde impera a informalidade, afastando direitos básicos como o salário-mínimo e a aposentadoria.
           Julho aparece, nesse cenário, como um oásis. Um verdadeiro holofote apontado para todo o contexto de vida e ocupação de lugares por mulheres negras. No dia 25 de julho é celebrado o Dia da Mulher Negra Caribenha e Latino-Americana e, desde 2014, também o dia de Tereza de Benguela. Para além do dia 25, pensado e orquestrado pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, este é o mês no qual acontece no Brasil, desde 2013, o Julho das Pretas*, movimento de incidência política e agenda conjunta e propositiva com organizações e movimento de mulheres negras do Brasil, voltado para o fortalecimento da ação política coletiva e autônoma das mulheres negras em todas as esferas da sociedade.

Luta e liderança

  Dados publicados pelo estudo censitário Representatividade, Diversidade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós 2022, realizado com mais de 26 mil respondentes, apontou que apenas 3% dos cargos de liderança (nível gerente e acima) nas empresas brasileiras são  ocupados por mulheres negras.
As razões para a pouca ocupação de lugares em cargos de chefia e liderança são muitas, e incluem questões que remontam a época da abolição da escravidão e ao lugar social relegado historicamente às populações negras – e em especial à mulher negra, sobre quem sempre recaiu o cuidado com a família, abrindo mão dos estudos e da preparação para o mercado de trabalho. Não à toa ainda assustam os dados, quando olhamos as taxas de analfabetismo e abandono dos bancos escolares por mulheres negras.
Com o passar dos anos, e especialmente com a implementação de políticas afirmativas, mudanças na ocupação de lugares começam a acontecer. Primeiro as escolas, depois as universidades, programas de ingresso em empresas. A luta pela diversidade e mesmo a implementação de projetos nesse sentido, no entanto, param por aí: no ingresso. Faltam, na maioria das vezes, políticas internas de crescimento profissional.
Algumas poucas mulheres negras desafiam as dificuldades. São aqueles 3% apontados pela pesquisa. E quando chegam aos cargos de liderança, se veem na maioria das vezes sozinhas, inseridas em ambientes majoritariamente brancos e, por consequência, naturalmente permeados de “micro” (e macro) violências.
Segundo pesquisa realizada pela 99jobs.com em parceria com o Pacto Global da ONU, quase 60% das mulheres negras que ocupam algum cargo de liderança em empresas são as únicas nesse tipo de função.
Se para mulheres no geral a ocupação e permanência nesses lugares já é um desafio, para mulheres negras a realidade é ainda mais dura. Elas aprendem desde cedo que, para estar em qualquer posição de destaque, precisarão ser duas ou três vezes melhores. Se são atravessadas por outras questões, seja de saúde, seja de gênero, a situação se torna ainda mais delicada. Algumas resistem. Outras sucumbem à pressão e se transformam em estatísticas de casos graves de saúde mental, como relatados no livro “O privilégio é branco”, de Marcos Samaha.
Não basta ser competente, é necessário parecer competente, E em um sistema estruturalmente racista e sexista, essa naturalização da competência recai sobre o homem cis branco.
Ser mulher negra em lugar de destaque é lidar todos os dias com olhares desconfiados e questionamentos racistas: “como assim a chefe é você?”
São dados que assustam e deveriam chamar atenção durante todo o ano, de forma a provocar efetivas mudanças estruturais. Infelizmente, essa ainda parece ser uma realidade distante.
Diversidade não pode ser apenas uma palavra bonita para postagens em redes sociais, nem bandeira de fachada para ser levantada somente em datas específicas. Diversidade na prática é uma realidade na qual todos ganham e julho pode ser a oportunidade para descortinarmos o que ainda nos separa da efetivação de preceitos que dizemos defender.
* Todas as informações sobre o movimento Julho das Pretas pode ser acessado em https://institutoodara.org.br/julho-das-pretas/
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.