A frase que deu o título para esta coluna é verdadeira, foi dita por uma menina de 14 anos à sua mãe, na volta da escola. A confiança da garota na mãe e a coragem desta fazer a denúncia possibilitaram que outras garotas, com idades entre 11 a 17 anos, também se apresentassem como vítimas.
O que foi apurado: fotos das meninas vestidas, que estavam em suas redes sociais, foram manipuladas virtualmente produzindo imagens em que elas apareciam seminuas e, assim, postadas na internet. Isso ocorreu numa cidade de 30 mil habitantes da Espanha, como mostrou uma reportagem da BBC News, em 13 de junho de 2023.
Mas, infelizmente, não é uma ocorrência singular, de um lugar distante.
No início de novembro, a imprensa divulgou que alunos de um colégio da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, produziram nudes (imagens de pessoas nuas), com inteligência artificial, de pelo menos 20 adolescentes, da sua própria escola, e circularam as montagens por Whatsapp. Os garotos são alunos do 7º ao 9º ano.
É grave que uma arma tão poderosa esteja ao alcance de adolescentes que ainda não desenvolveram capacidade crítica.
Certamente não sabem que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como crime a simulação da participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornografia, por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeos ou qualquer outra forma de representação visual. Cabe o alerta a pais e escolas.
Pode ocorrer consequências para os que produziram o material, mas o dano profundo é para a vida das meninas, para as quais um acontecimento como esse pode ter muitos e inimagináveis efeitos sobre elas e suas famílias, por tempo indeterminado.
Conteúdos veiculados por redes sociais são quase impossíveis de serem retirados completamente e até de mapear – se caiu na rede pode circular sem limite de tempo, sem que se saiba o alcance da informação – quem vai ver, quando, nem que usos pode se fazer da imagem.
Isso é mesmo possível? Não dá para perceber que é fake?
É possível sim, como também é difícil perceber que uma imagem foi manipulada. Existem tecnologia e aplicativos para essa operação, assim como os usados, há alguns meses, para vestir o Papa com um casaco puffer, que ele nunca usou, ou o vídeo de propaganda onde Elis Regina, falecida em 1982, faz um dueto com sua filha adulta. As ferramentas virtuais não são de uso apenas de profissionais, os aplicativos estão disponíveis facilmente, ao alcance de qualquer pessoa, de qualquer idade, com qualquer intenção.
Nenhum de nós pode ter certeza de que não exista alguma foto manipulada de nossos jovens, circulando nas redes sociais – e não sabemos para que fins, desde bullying virtual até aliciamento para tráfico humano.
A indústria pornográfica, por exemplo, movimenta milhões e hoje sequer precisa produzir seu próprio material, basta buscá-lo, fartamente disponível, na rede virtual, quer por montagens, quer pela circulação inadvertida pelas próprias pessoas que, muitas vezes, não têm a dimensão dos riscos que correm ao enviar uma imagem sua para alguém que julgam confiável.
Criminosos dedicados a abusos e exploração sexual infantil, especialmente no mundo virtual, alimentam seus “clientes” com imagens reais ou manipuladas e, mais, aproveitam-se da internet para fazer contatos e aliciar crianças e adolescentes para as redes de exploração.
A especialista Anália Ribeiro, estudiosa do tema, autora do livro “Tráfico de pessoas no Brasil”, recentemente lançado pela editora diz que há mudanças significativas no modus operandi do tráfico de pessoas com a utilização de recursos tecnológicos como a internet e aplicativos de celulares. As ferramentas virtuais “permitem que o explorador não se arrisque porque não precisa estar perto da vítima e é possível exercer controle a distância”.
Professora de Direito Internacional na Universidade de Sevilha, Waldimeiry Correa diz que a internet dispensa a figura do “love boy”, o bonitão que aliciava as mulheres com promessas de futuro em outro país ou cidade. As promessas de melhoria de vida vêm agora, pelas redes sociais onde, inclusive outras mulheres, aliciam as possíveis vítimas com falsas imagens de sua própria boa vida ou possibilidade de ganhos. Criminosos utilizam discursos sedutores, interessantes, mentiras bem embaladas. Quando as vítimas cedem e se aventuram, são exploradas e ameaçadas de várias formas.
Há riscos que parecem muito distantes de nós, mas que podem entrar pela tela usada inadvertidamente por uma criança ou adolescente, que sem perceber o perigo ou por ficar intimidado, pode ter dificuldade para compartilhar com os pais.
As famílias, as escolas e as instituições públicas e privadas têm o desafio urgente de, no mínimo, trabalhar para esclarecer as crianças e adolescentes dos riscos de manipular e fazer circular imagens de outras pessoas, como de postar suas próprias imagens.
O acolhimento e o laço de confiança entre crianças e jovens e os adultos cuidadores, é bem importante para que a internet e as redes sociais sejam utilizadas com mais segurança.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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