Na última quinta-feira (2), em São Paulo, a Marcha das Mulheres Negras, em parceria com o Instituto NoFront, lançou o Manifesto Econômico, um documento que busca discutir os rumos da economia e propor transformações concretas para combater o racismo e a desigualdade social. O texto reúne discussões que atravessam o setor público, incluindo orçamento, tributação e políticas macroeconômicas, e o setor privado, como filantropia, empreendedorismo e comércio internacional.
O manifesto é fruto de uma mobilização nacional inédita, envolvendo mais de 300 mulheres negras de todas as regiões do país, construído por meio de seis oficinas virtuais, entrevistas e mais de 200 contribuições enviadas de forma colaborativa. Segundo o documento, seu objetivo é servir como ponto de partida para fortalecer o protagonismo das mulheres negras no Brasil e no mundo, aumentando sua participação econômica.
As organizadoras destacam que mulheres negras enfrentam os maiores índices de vulnerabilidade econômica e social, sendo as primeiras a sentir a falta de alimentos, o impacto do desemprego, o endividamento e a violência do Estado e do crime. Nesse cenário, o documento redigido baseia-se em sete eixos:
Reparação econômica e justiça climática
O manifesto parte da ideia de que é preciso enfrentar a dívida histórica do país e reorganizar a sociedade a partir do cuidado e da coletividade, colocando a vida acima do lucro.
Entre as propostas estão a criação de fundos permanentes de reparação econômica, tributação progressiva sobre grandes fortunas e a responsabilização de empresas e bancos que lucraram com a escravidão. Também se defende que programas de perdão de dívidas e políticas de justiça climática alcancem mulheres negras em situação de maior vulnerabilidade.
Trabalho e renda
No campo do trabalho, o manifesto propõe que a equidade salarial entre gêneros e raças seja garantida, e que profissões historicamente exercidas por mulheres negras, como parteiras, trancistas, diaristas e trabalhadoras rurais, sejam valorizadas e regulamentadas. O cuidado é reconhecido como trabalho essencial e são reivindicadas medidas como ampliação de creches e lavanderias públicas, proteção contra jornadas exaustivas e direitos especiais para mães cuidadoras.
Política macroeconômica e fiscal
O manifesto também propõe mudanças na economia como um todo. Entre elas, redução da taxa Selic, acesso a crédito justo, desburocratização de programas sociais e revisão de benefícios fiscais que favorecem grandes empresas. Para mulheres negras, sugere a criação de um Programa Nacional de Anistia e Renegociação de Dívidas, garantindo alívio imediato e inclusão econômica, além de direcionar recursos públicos para áreas essenciais como moradia, alimentação e educação financeira.
Dignidade
A dignidade é outro eixo central do manifesto, que entende como direito ter terra, casa, comida, saúde, transporte e segurança garantidos. Para isso, defende a distribuição de ativos produtivos, aceleração da titulação de territórios quilombolas, regularização de comunidades tradicionais e reconhecimento dos terreiros como territórios sagrados.
O documento também pede moradia digna e segura para mulheres negras chefes de família, acesso à alimentação saudável, universalização de água, energia e saneamento, transporte público justo e reestruturação da segurança pública, com o fim do genocídio da população negra e desmilitarização das polícias.
O investimento em permanência universitária também é defendido, por meio de bolsas, assistência pedagógica, moradia e alimentação, tanto nas universidades públicas quanto privadas.
Investimento público
O manifesto sugere que o investimento público seja pensado para redistribuir riqueza e fortalecer o bem estar coletivo. Isso inclui fundos de desenvolvimento econômico para empreendimentos liderados por mulheres negras, democratização do crédito, direcionamento do poder de compra do Estado para negócios dessas mulheres e financiamento de iniciativas de justiça climática.
Investir na primeira infância de forma antirracista é outra recomendação, com creches públicas de qualidade, apoio às cuidadoras, alimentação saudável e a implementação de ambientes seguros.
Investimento privado
No setor privado, o manifesto pede que empresas reconheçam sua dívida histórica e direcionem parte dos lucros para projetos liderados por mulheres negras. A contratação com salários dignos, ambientes livres de racismo e condições especiais para mães de crianças atípicas são destacadas.
A filantropia, segundo o documento, deve servir para transferir poder e recursos de forma duradoura, rompendo com métricas coloniais. O investimento em atividades econômicas inviabilizadas também é incentivado, como no turismo religioso e cultural em terreiros, e de organizações civis lideradas por mulheres negras.
Economia internacional
O último eixo denuncia como a economia global perpetua desigualdades herdadas da colonização e propõe que a reparação histórica seja princípio em todos os acordos internacionais.
Nesse cenário, defende a reestruturação de instituições financeiras globais, como FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial, para garantir igualdade financeira ao Sul Global e a liderança de mulheres negras, além da promoção de economias comunitárias. Também pede financiamento contínuo para que mulheres negras participem de espaços internacionais e a proteção dessas trabalhadoras.