Nosso corpo é um maquinário perfeito que nos permite desfrutar ao máximo de uma vida longa e saudável, mas somos continuamente expostos a fatores externos que podem ser prejudiciais e não têm relação com nossa herança genética.

Alimentação, clima, estresse crônico, drogas, vírus e bactérias, condições de vida, medicamentos e até estilo de vida são esses estímulos externos.
Entretanto, com a regulação epigenética, é possível transformar nossa expressão gênica.

A etimologia da palavra epigenética já nos dá pistas sobre o significado dessa nova área de estudo. De origem no grego antigo, epi significa “acima” ou “sobre”, e genética se refere à hereditariedade e à transmissão de características genéticas. Logo, fica claro que o termo deve ser entendido como “acima da genética”, ou seja, uma área de estudo sobre as mudanças no funcionamento dos genes que não são causadas por alterações na sequência do DNA, mas sim por fatores externos, como ambiente ou estilo de vida.

Aqui, o ambiente interno – nossos pensamentos e emoções – pode ser um dos mecanismos que provocam essas mudanças. Eles podem moldar a nossa expressão gênica de modo positivo ou negativo.

Na década de 1940, o biólogo britânico Conrad Waddington usou a palavra epigenética para defender que há uma conexão entre os genes e as condições ambientais externas que agem sobre eles.

Desde então, o termo tem sido ampliado para incluir uma variedade de processos biológicos, incluindo a regulação da expressão gênica em células adultas, a adaptação à mudanças ambientais e até mesmo a transmissão de informações genéticas de uma geração para a próxima.

O que a epigenética nos diz, de modo simplificado, é que a nossa saúde não depende unicamente do fator genético e da herança que recebemos dos nossos ancestrais.
Aquela ideia de que, se você tem bons genes, está garantida sua boa disponibilidade física ou mesmo sua saúde real – é questionada profundamente pela epigenética.
Na verdade, há outros elementos nessa química da vida.

É fato que agregamos ao nosso DNA muitas informações genéticas passadas de geração em geração e que determinam muitas das nossas características hereditárias, como cor dos olhos, cabelo e pele, altura e peso, tipo sanguíneo, possíveis suscetibilidades a doenças genéticas e personalidade.

A maior parte das características, entretanto, não é determinada por um único gene, mas por vários, e por meio de interações complexas entre eles, além da influência de fatores ambientais.

Em um artigo publicado na Revista Carbono, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Laboratório de Helmintologia e Entomologia Molecular do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcelo Fantappié, explica que, após a fertilização do óvulo pelo espermatozóide, as células começam a captar sinais internos, externos e de células vizinhas (incluindo da mãe), que determinam não apenas a morfologia e fisiologia do futuro embrião e indivíduo, assim como seu comportamento. Estas células respondem a nutrientes, hormônios, sinais físicos e comportamentais, como estresse e carinho.

Para que esses sinais sejam registrados no DNA, eles precisam alcançar o núcleo celular, onde fica o DNA, entre outras moléculas.

Ele conta que a molécula de DNA é maior que o próprio núcleo então, para caber nele, as proteínas nucleares chamadas histonas são encapsuladas em estruturas conhecidas como nucleossomas. Poderíamos fazer uma analogia entre um carretel, que seriam as histonas, ou proteínas, e a linha, que seria o DNA.

Muitos genes precisam ser expressos na forma de proteínas para que as células funcionem corretamente, mas se o DNA permanecer totalmente enrolado, os genes não podem ser expressos.

A epigenética entra em cena para regular a expressão dos genes.

Para que os genes sejam expressos, a molécula de DNA precisa ser desempacotada e assim os genes possam ficar acessíveis à ação de proteínas. No entanto, diferentes genes são expressos em diferentes momentos e estão localizados em diferentes regiões da molécula de DNA, o que requer constantes mudanças no empacotamento da molécula (chamado de “remodelamento dos cromossomos ou da cromatina”).

Esse constante remodelamento se dá justamente por mudanças epigenéticas, ou seja, alterações químicas que ocorrem na molécula de DNA e nas histonas, realizadas por enzimas.

A metilação do DNA, que ocorre em regiões que controlam a expressão gênica, está relacionada à repressão gênica, enquanto a acetilação das histonas está geralmente relacionada à ativação gênica.

Segundo o pesquisador, a adição de um grupo metila à molécula de DNA leva ao silenciamento de diversos genes, impactando forma e função das células e organismos, sem alterar o DNA correspondente.

Esse processo de silenciamento dos genes faz parte da estratégia evolutiva que resulta no bom funcionamento celular (homeostase) e de um organismo sadio.
Se esse modelo for alterado, os genes que deviam ficar silenciados serão ativados, causando algum efeito na vida (e na saúde) de um organismo. Esse novo padrão epigenético será passado entre gerações futuras, caracterizando uma memória epigenética.

Ele esclarece ainda que o epigenoma pode mudar rapidamente em resposta aos sinais que a célula recebe, permitindo que um organismo ajuste a expressão gênica de acordo com o ambiente em que vive.

A herança epigenética pode transmitir experiências vividas pelos pais para as gerações futuras, sem mudanças no genoma.

Isso tem sido bem demonstrado em estudos de famílias com escassez de alimentos, onde a dieta dos avós afeta o risco de doenças cardiovasculares e diabetes nos filhos e netos.

Além disso, estudos mostram que a herança epigenética pode influenciar a saúde mental e o comportamento, como visto em gêmeos idênticos que divergem significativamente em seus níveis de sintomas relacionados à ansiedade e à depressão.

Para o pesquisador, o epigenoma na sua totalidade irá levar a um melhor entendimento de como a função do genoma é regulada na saúde e na doença, e como a expressão genética é influenciada pela alimentação e pelo ambiente.

Em contrapartida, com a visão puramente biológica sobre epigenética, existe o trabalho do biólogo norte-americano Bruce Lipton, que esteve mês passado aqui no Brasil em um congresso.

Pioneiro na pesquisa epigenética, ele é contrário à visão científica de que a vida é controlada por genes. Em suas obras define a existência de vias moleculares que conectam a mente e o corpo, tese validada por inúmeros outros pesquisadores.

Na Universidade de Stanford, Lipton iniciou suas pesquisas de células-tronco. Ele é autor de obras como “A Biologia da Crença” (2007), na qual defende que o ambiente pode controlar e até alterar o funcionamento das células. Para comprovar sua tese, pesquisou sobre distrofia muscular e conduziu estudos que empregam células-tronco humanas clonadas, enfocando os mecanismos moleculares que controlam o comportamento celular.

Em 1982, ele começou a examinar os princípios da física quântica e como eles se aplicam à sua compreensão dos sistemas de processamento de informações da célula.
O cientista produziu estudos inovadores sobre a membrana celular, que revelaram que essa camada externa da célula era um homólogo orgânico de um chip de computador.
Entre 1987 e 1992, revelou que o ambiente, que operava através da membrana celular, controlava o comportamento e a fisiologia da célula, “ligando e desligando” genes.
Baseado em suas pesquisas, Lipton alega que o que condiciona um organismo vivo não é sua carga genética, como defende a síntese evolutiva moderna, mas sim seu ambiente físico e energético, composto por características como hábitos e comportamento, dieta, atividades físicas, idade e telômeros – a parte final dos cromossomos – responsável pelo envelhecimento das células.

Para Lipton, os seres humanos, como organismos vivos, não são determinados por seus genes e, sim, condicionados pelo meio ambiente e, acima de tudo, por suas crenças, ou hábitos, o que os faz donos absolutos de seu destino.

Para o cientista, doenças comuns atualmente, como diabete, problemas cardíacos e câncer, são o resultado da interação entre múltiplos genes e fatores ambientais.
Ele defende que a mente é energia, ou seja, quando pensamos, transmitimos energia e podemos alterar alguns aspectos pessoais da realidade.

Um dos estudos que atestaram a teoria de Bruce Lipton foi tema de uma reportagem no jornal alemão Deutsche Welle. Segundo o texto, pesquisadores da Espanha, França e Estados Unidos confirmaram que a meditação pode reduzir a manifestação dos genes envolvidos em processos inflamatórios.

O estudo mostra que um grupo de pessoas que praticava meditação profunda conseguiu suprimir os genes e confirmou cientificamente que é possível alterar a atividade genética melhorando o estado de saúde por meio do comportamento e pensamento.
Para chegar à essa conclusão, os pesquisadores analisaram um grupo que praticava meditação e verificaram que os indivíduos apresentaram uma redução nos níveis de genes pró-inflamatórios e outras alterações no mecanismo de regulação genética.

Além disso, eles conseguiam se recuperar mais rapidamente após situações estressantes, vinculando o comportamento a uma mudança ocorrida dentro das células.
Exatamente o que Lipton defende, ou seja, que hábitos e ambiente social podem modular o funcionamento dos genes de uma pessoa.

Para mim, isso deixa claro que embora a genética desempenhe um papel importante na nossa saúde, fatores ambientais também são cruciais.

O ambiente em que vivemos, nossas escolhas de estilo de vida e até mesmo nossos padrões de pensamentos e crenças podem ter um impacto significativo em nossa saúde. Não ignore o poder do ambiente e considere esses fatores para melhorar a saúde e prevenir doenças.

Quando você adota um estilo de vida saudável e passa a se cuidar melhor, se beneficia de mais saúde e bem-estar, independentemente de seus genes.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.