A América Latina regularmente é apresentada como um modelo de participação feminina na política, mas o continente ainda parece ter um longo caminho a percorrer até que as mulheres se instalem realmente no poder, como Cristina Kirchner na Argentina, Dilma Rousseff no Brasil, Dina Boluarte no Peru e Claudia Sheinbaum, recém-eleita no México.

“Pela primeira vez em 200 anos de república, eu me tornarei a primeira mulher presidente do México”, disse Claudia Sheinbaum ao triunfar na eleição presidencial em 2 de junho de 2024, com quase 58% dos votos, contra seu rival Xóchitl Gálvez.

De acordo com dados da União Interparlamentar, 36,6% das mulheres ocuparão uma cadeira parlamentar na América Latina em 2024, incluindo o Caribe, em comparação com 26,9% em todo o mundo. O continente latino-americano, regularmente aclamado pelo papel desempenhado pelas mulheres na política, também tem a maior proporção de mulheres em seus parlamentos. Além disso, em 2024, mais de 22% dos presidentes parlamentares deste continente serão mulheres, assim como um terço dos ministros e quase um em cada dois vice-presidentes.

Esse registro aparentemente lisonjeiro é o resultado da introdução de cotas para mulheres candidatas a partir da década de 1990, começando pela Argentina em 1991. Em seguida, muitos outros países, como Paraguai, Brasil e República Dominicana, e 11 outros que, desde então, trocaram suas cotas por leis de paridade.

Atualmente a Guatemala é o único país da região que não adotou cotas de gênero. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Relações Internacionais Estratégicas (IRIS na sigla em francês), essas leis também são o resultado de uma “profunda feminização das sociedades”, que ainda são em grande parte machistas. Há 20 anos, apenas um em cada seis legisladores, em média, era mulher nas Assembleias e Senados da região.

De acordo com o Observatório para a Igualdade de Gênero na América Latina e no Caribe (CEPAL), em 2023, apenas 15,4% das prefeitas eram mulheres.

Embora o Peru, Cuba, Costa Rica e México tenham alcançado uma alta porcentagem de mulheres em conselhos eleitos (mais de 40%), apenas a Bolívia pode se orgulhar da paridade em nível local. Panamá, Guatemala e Brasil têm as porcentagens mais baixas.

Os relatórios de vários pesquisadores apontam que a distribuição de cargos é “sexuada”, ou “sexista”, e as funções governamentais ainda são amplamente dominadas por homens. Os homens detêm as pastas de economia, relações exteriores e defesa, enquanto as mulheres são responsáveis pelas questões sociais e pela educação. A única vez em que isso realmente não aconteceu foi no governo de Michelle Bachelet (presidente do Chile de 2006 a 2010 e novamente de 2014 a 2018). Em síntese, nos gabinetes executivos da América Latina, a política também tem um gênero.

Em 2016, seu governo nomeou mulheres para cargos de alto nível e não apenas para os chamados “cargos de gênero”. Em março de 2022, sob o comando de Gabriel Boric, o gabinete presidencial chileno tornou-se o primeiro na história do país a incluir mais mulheres do que homens (14 contra 10).

Por outro lado, alguns países não respeitam suas cotas uma vez que lançam mão de estratégias para evitar as leis de cotas e paridade. Muitas vezes, as regras eleitorais que regem quem pode se candidatar e como os partidos políticos devem administrar suas candidaturas só se aplicam às pré-candidaturas. Quando se trata de candidaturas oficiais, em que a lei não se intromete nem impõe penalidades, os partidos às vezes tomam a liberdade de substituir mulheres por homens.

Enquanto no México não é permitido avançar se as cotas não forem respeitadas, alguns países, como o Brasil, o Paraguai ou a Colômbia, que nem sequer chegam a 20% de mulheres em cargos políticos, não preveem penalidades e não se preocupam em respeitar suas cotas.

Ocorre que na prática, na  América Latina, ainda enfrentamos um grande obstáculo: em quase todos os países persiste a desconfiança em relação às mulheres na política e a preferência pelos homens.

A presença de mulheres na política é fundamental para garantir a diversidade e eficácia democrática, bem como para assegurar que políticas públicas atendam às necessidades específicas das mulheres.

No entanto, a representatividade feminina ainda é desafiadora, especialmente no Brasil. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal apresentam apenas 15% e 12% de mulheres, respectivamente. Essa sub-representação reflete barreiras estruturais e culturais enfrentadas pelas mulheres, limitando a diversidade de perspectivas no processo democrático. Apesar desses desafios, mulheres na política priorizam questões como saúde, educação, direitos reprodutivos e combate à violência contra a mulher, inspirando futuras gerações. A trajetória das mulheres na política é uma história de lutas e conquistas, desde a obtenção do direito ao voto feminino no Brasil em 1932 até a eleição da primeira mulher para o cargo de presidente da República.

Movimentos feministas têm sido fundamentais na conquista de direitos, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, apesar dos desafios contínuos para modificar estruturas sociais patriarcais. Em todo o mundo, a participação das mulheres na política permanece um desafio, com menos de três em cada 10 mulheres ocupando cadeiras em parlamentos e pouco mais de 10% de chefes de Estado ou de Governo mulheres. 

Dados da União Interparlamentar apontam que as mulheres compõem apenas 17,7% da Câmara dos Deputados no Brasil, e apenas 5 dos 31 partidos políticos existentes no país são presididos por mulheres: o PT, PCdoB, Podemos, Rede de Sustentabilidade e o PMB. A luta pela equidade de gênero na política é essencial para fortalecer a democracia e garantir que todas as vozes sejam ouvidas.

Referências
Disponível em: https://www.rfi.fr/br/am%C3%A9ricas/20240607-aumento-de-mulheres-nas-lideran%C3%A7as-pol%C3%ADticas-da-am%C3%A9rica-latina-avan%C3%A7o-real-ou-mudan%C3%A7a-de-fachada Acesso em: 11/06/24

Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/participacao-mulher-na-vida-politica.htm Acesso em: 11/06/24
Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2023/03/08/mulheres-na-politica-os-obstaculos-e-as-violencias-que-dificultam-a-representatividade-feminina-e-prejudicam-a-democracia.ghtml Acesso em: 11/06/24
Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2022/05/1790152 Acesso em: 11/06/24

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.