Embora as mulheres negras representem o maior grupo do país, 28,7% da população, segundo o IBGE, elas seguem sub-representadas nos espaços de decisão. A constatação é reforçada por um estudo desenvolvido na FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo), publicado na terça-feira, 18, que analisou os obstáculos enfrentados para alcançar cargos no poder público e o que é necessário para que essa realidade mude.
O estudo priorizou escutar quem já atravessou por essas barreiras e foi pautado por entrevistas com mulheres que chegaram a cargos de direção. “Ouvir secretárias e chefes de auditoria que já estão ocupando posições de autoridade é fundamental para pensarmos estratégias efetivas de permanência e ascensão de mulheres negras na alta liderança”, destaca a pesquisadora Janiele de Paula.
Microagressões e vieses
Um dos achados da pesquisa é a recorrência das microagressões, que vão desde comentários sobre aparência e competência até a desconfiança contínua sobre decisões de gerência.
São episódios que, isolados, parecem pequenos, mas formam um ambiente hostil que desgasta o emocional e exige energia extra dessas mulheres para se manterem no posto. Entre os relatos estão a interrupção em reuniões, ter decisões contestadas sem justificativa ou serem confundidas com assistentes administrativas.
Outro obstáculo são os preconceitos inconscientes que moldam a formação de equipes e de lideranças. Segundo a pesquisa, a predominância de homens brancos em cargos de poder favorece a reprodução desse perfil nas indicações futuras da empresa, um ciclo que se retroalimenta.
“Se hoje temos majoritariamente homens brancos no poder, é muito mais provável que eles escolham para compor suas equipes pessoas com o mesmo esteriótipo, explica Janiele. Isso impede que candidatas negras sequer cheguem a processos seletivos ou sejam consideradas em listas de promoções.
Falta de redes, jornada tripla e desigualdade salarial
A ausência de redes profissionais, citado como um dos pilares para ascender aos cargos públicos, é identificada como barreira central. As entrevistadas relataram não serem convidadas para espaços de troca política e de influência.
O estudo pontua também a desigualdade salarial inicial. Mulheres negras costumam receber salários mais baixos mesmo em posições equivalentes, o que reduz sua capacidade de investir em cursos, consultorias ou preparação para concursos, as principais portas de entrada para cargos de liderança.
O que, segundo o levantamento, cria um efeito cascata que se perpetua ao longo da vida profissional.
22 estratégias para transformar essa realidade
Ao final do levantamento, a pesquisa propõe 22 estratégias organizadas em quatro dimensões para amenizar as desigualdades. Entre elas:
Sensibilização e advocacy: ações para colocar a presença de mulheres negras na alta liderança como prioridade institucional e política, envolvendo gestores, sociedade civil e órgãos de controle.
Desenvolvimento de lideranças: programas de capacitação que contemplem não apenas habilidades técnicas, mas formação política e articulação institucional.
Estruturas institucionais, políticas e culturais: construção de bases formais que consolidem políticas falhas, independentemente de trocas de governo. Isso inclui normas que garantam diversidade em comissões de seleção e metas públicas de representatividade.
Redes, comunidade e patrocínio: criação de redes de apoio, grupos de afinidade e programas de patrocínio que garantam visibilidade e apoio contínuo na trajetória dessas profissionais.
A pesquisa, realizada por Janiele de Paula, combina análise de literatura com entrevistas com secretárias e chefes de auditoria já inseridas em posições estratégicas. O resultado é um diagnóstico que evidencia como o racismo, o sexismo e as desigualdades socioeconômicas operam de forma conjunta.