Não é raro romantizarmos o encontro com o filho que chega pela adoção. A fantasia com um momento digno de cena de novela, com música de fundo e fogos de artifício, é mais comum do que se imagina. Do outro lado da moeda, tendemos a imaginar que mães biológicas amam imediata e automaticamente.
O tal do sangue, os hormônios, o instinto materno e mil outras crenças que, ainda antes do nascimento do filho, fazem com que surjam o peso e a culpa, caso o tal do amor não inunde o coração e a vida dessas mães como num passe de mágica.
Não me apaixonei pelo meu filho à primeira vista. Me lembro da primeira vez que tive coragem de falar a respeito, em uma roda de amigas.
Éramos todas mães, mas nenhuma por adoção como eu, que havia recebido meu filho há muito pouco tempo. Naquele dia ouvi de uma delas que também não tinha amado os filhos (biológicos) imediatamente, no dia do nascimento. E menos ainda durante a gravidez.
Ouvir aquilo, além de trazer um certo conforto, uma sensação de que eu não estava sozinha, teve também um outro efeito. Me fez voltar algum tempo e repensar crenças que eu nutri durante a espera pelo meu filho.
Chegamos na adoção invariavelmente ansiosas. Cada uma carrega sua história, mas ouvindo da mídia que são muitas as crianças e adolescentes esperando por uma família, é inevitável acreditarmos que estaremos com nossos tão desejados filhos em casa quase como em um passe de mágica. Isso faz com que tudo nos remeta à maternidade.
A impressão é de que todas as amigas e familiares resolveram engravidar de uma só vez, que as revistas só trazem imagem de mulheres grávidas. Que na rua todas as pessoas que cruzam nosso caminho estão com seus filhos já nos braços ou na barriga.
E é nesse ponto que, muitas vezes sem racionalizar, nos pegamos com o questionamento normalmente silencioso: “por que todas, menos eu?”
Começam a surgir histórias de mães que decidem entregar seus filhos para adoção. Na novela, no filme, no seriado. No jornal. Na vida real. E o questionamento vem ainda mais forte: “por que ela, que nem quer um filho, e não eu?” Julgamos.
Entra ano, sai ano, vemos a gestação ser romantizada.
Dizem que é quando a mulher fica mais bonita, apesar de muitas se sentirem feias. Que o cabelo brilha, apesar da grande reclamação de queda no puerpério. Que a pele fica brilhante. Sim, muitas se queixam das manchas, além de varizes e estrias.
Para além da estética, a romantização alcança os sentimentos: engravidar é, no imaginário popular, um amor intenso, enorme, automático e imediato.
Bem… assim como há controvérsias no que é palpável, não podemos generalizar o tal do amor materno. Ao menos não da forma com que os filmes e comerciais costumam mostrar.
Ninguém ama automaticamente. Ninguém ama o que não conhece. Podemos falar de afeto, cuidado, carinho… amor é um passo além. E talvez seja aqui que comecemos aquele questionamento: “por que ela?”
A primeira parte da resposta, na verdade, é uma chamada para que nos situemos melhor na conversa. Conhecemos a história dela? Sabemos em qual contexto ela vive e como começou e se desenvolver aquela gestação?
A resposta a essas perguntas já nos coloca em um outro lugar, de menos ataque. Mas sigamos.
Aqueles mesmos jornais, que acionam nossos sentimentos quando noticiam casos de mães que decidem entregar seus filhos para adoção, também contam, vez por outra, que bebês foram abandonados em sacos de lixo, mochilas, portas de hospitais… aqui, ao contrário da entrega, estamos falando em abandono, que é crime segundo o Código Penal.
Precisamos desromantizar o próprio conceito de amor materno. A entrega do filho ao sistema de Justiça, para que ele seja encaminhado legalmente à adoção é, sim, uma manifestação de amor.
Talvez um dos maiores amores do mundo. É a renúncia ao exercício de uma maternidade que provavelmente comprometeria a saúde e o bem-estar daquele filho, para que ele encontre as melhores condições em outra família.
Pensando bem, pode ser que o amor materno não seja bem um mito. No fundo, ele só encontra outras maneiras diferentes de se manifestar.
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