A luz brilhava, batia, rugia. Eram movimentos fortes e agitados que machucavam as paredes, as roupas, os móveis. A sala diante de tantos movimentos, sons e luzes, parecia estarrecida. 

Um clique no ar. Agora o silêncio é total. O controle remoto foi acionado, a televisão escureceu.

 Reclamo impaciente:

– Assim não dá. Você não sossega. É só ter um tempinho e pronto, corre e senta.

Luis esfrega os olhos, levanta a cabeça e responde:

– Mas eu cheguei neste minuto. Até parece que você não tem uma antena parabólica.

      – Sabe, meu querido, eu li em algum lugar o seguinte: o olho é o mais espiritual dos sentidos”. Ah, já sei quem disse isso… foi Santo Agostinho.

– Que coisa esquisita você diz, eu só estava vendo um desenho.

– Pois bem, isso que você chama de desenho tem tanta violência, barulho, morte e agressão. Devia se chamar extermínio.

– Mas você é muito dramática. Aqui só morrem os inimigos. O barulho e tudo o mais faz parte do faz de conta. Só tenho 12 anos. 

– Exatamente por aí – continuo – sua cabeça pode ficar presa nessas bobagens, uns matando os outros com armas que nem existem.

– Tá bom, eu sei que não existem, mas eu acho que podem ser inventadas, é até engraçado imaginar isso.

Me sinto acuada, pois sabia muito bem que a conversa iria longe, e ainda não conseguiria quase nada, como sempre.

– Mas será que você sabe… por trás desses desenhos tem tanta coisa… Você não vê?

Luis mal espera que eu termine:

– Já sei, vai começar aquelas ladainhas. Por que você não pega um livro? O resto já sei de cor.

      – Estamos novamente no mesmo lugar…Tenho uma ideia – lembrando das minhas últimas leituras e acrescento: – mas desta vez vamos fazer diferente.

     – Lá vem novidade! – exclama Luis, dando um sorriso de quem vai vencer a queda de braço, acreditando que já conhece o que vem pela frente. 

     Reajo: Vou dizer só uns ditados populares tipo charada e você explica. São coisinhas bem velhas, da sabedoria da Índia, só de alguns séculos antes de Cristo.

      O rosto de Luis se ilumina e ele acrescenta – Bota velho nisso. Manda aí, vamos ver.

   – Se você entender vence por hoje, certo? 

   – Certo, quem vencer leva.

   – São quatro ao todo os ditos populares indianos. Aqui vai o primeiro. “Veneno é livro que não se estudou”.

     Ele fica em silêncio por algum tempo, o olhar atento e responde:

     – Esta é moleza, lá vai – Quando não sei levo o pior. Que tal?

     Num misto de alegria e admiração, mas tentando não demonstrar, digo             – Tudo bem, vamos para a segunda: “Veneno é comida não digerida “

– Nossa mãe, de onde saiu isso? Eu acho que fica assim: “Faz um mal danado engolir qualquer coisa mal mastigada e fica pior ainda quando não se sabe o que é”.

 –  Certo, aqui vai a terceira: “Veneno é companhia de pobre”.

Luis se mexe no sofá, faz uma careta e pergunta: – Será isso? As coisas ruins sobram para os pobres?  Não, não sei.

– Agora te peguei, é quase isso, filho. Acredito que fica melhor assim, “o pobre tem muito dificuldade em conseguir o melhor para si, pois não conhece os meios para chegar lá”.

 – Mãe, você concorda que essa era muito difícil?

 – Certo, certo, agora esta é a última chance: “Veneno para o velho é uma moça”.

 – Essa eu acho que é bem moderna, não é mãe?

Explico sorrindo: Não, só tem mais ou menos uns três mil anos.

Luis faz cara matreira e diz: acho que essa é prejuízo dos dois lados.

Levanto, olho para o meu filho e fico por alguns segundos em silêncio. Não vejo alternativa e finalizo:

– Pois bem, entrego os pontos. É só por hoje, amanhã travamos nova batalha.

Luis pega o controle remoto e liga novamente a televisão no danado do jogo. 

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.