Há algumas semanas meu filho, hoje com 10 anos de idade, me perguntou se eu não montaria árvore de Natal esse ano. Estava engolida por diversas demandas de trabalho e fui deixando passar, até que, com a pergunta dele, me dei conta do quanto o simbolismo era importante.
Na primeira oportunidade, separei as coisas e parti para a missão. Dessa vez ele não quis ajudar. Fiquei sozinha em casa, com música ligada e as lembranças passando na cabeça.
Lembro de cada Natal desde que ele chegou. Lembro com clareza do primeiro que passamos juntos, que foi o nosso primeiro, mas não o primeiro da vida dele. Por mais que ele tenha chegado bem novo, aos 8 meses, eu não estava naquele primeiro Natal que ele viveu.
Nós, que vivemos a maternidade pela adoção, aprendemos desde muito cedo que não estaremos juntos de nossos filhos em muitas das suas primeiras vezes.
Em alguns casos será o primeiro passo, a primeira palavra, o primeiro sorriso, o primeiro dia na escola, o primeiro machucado, o primeiro dente… o primeiro Natal.
Não estaremos em muitos “primeiros”. Mas teremos todos os “nossos primeiros enquanto família”.
No caso dele, do primeiro Natal da vida não ficaram lembranças palpáveis. Nem mesmo do nosso primeiro juntos ele se lembra, por conta da idade. Isso não quer dizer que as vivências não deixem marcas e sejam motivos de gatilho emocional, o que fica mais evidente em crianças mais velhas e adolescentes que, por algum motivo, foram retirados de suas famílias de origem e estarão em situação de acolhimento, seja ele institucional ou familiar.
Tendemos a romantizar datas comemorativas, especialmente as festas de fim de ano, nas quais fazemos automaticamente um balanço mental de como foi o ano, agradecendo pelo que foi bom, e formulando listas para o ciclo que se inicia.
Com eles, nem sempre o funcionamento é o mesmo. Mas estamos acostumados a viver no piloto automático, muitas vezes sem nos darmos conta das realidades que se entrelaçam com as nossas.
Nesse processo, podemos acabar atropelando sentimentos e sensações não tão positivas assim, que fazem parte do grande quebra-cabeça que é a vida dos filhos por adoção, muitas vezes com peças faltando, outras quebradas, algumas manchadas…
E o grande erro é colocar todos em pé de igualdade no sentimento coletivo de amor, gratidão e felicidade em família. Não existe isso de “zerar o jogo” a partir da adoção. Lembranças, histórias, sentimentos e sensações fazem parte de quem são os nossos filhos e nós, como adultos da relação que somos, precisamos não só entender, como respeitar e acolher cada uma das particularidades.
E aqui vale ressaltar que o fato de nossos filhos às vezes sentirem os tais gatilhos emocionais, entregando-se um pouco à tristeza, melancolia e lágrimas ao nosso lado, não é um mau sinal. Pelo contrário. Nós, seres humanos, só conseguimos demonstrar nossas fragilidades ao lado das pessoas em quem mais confiamos, naquelas que são porto seguro.
O tempo passa. Cicatrizes fecham. Novas memórias são construídas e, apesar de não apagarem o que foi vivido, ressignificam datas.
O primeiro Natal, ainda que não tenha sido o primeiro da vida deles, sempre será marcante. Sempre será lembrado. Sempre terá o gostinho de primeiro, de início, de construção.
Enquanto escrevo, sentada de frente para a tal árvore de Natal que ele pediu que eu montasse, mesmo sabendo que nenhum de nós vai estar em casa na noite do dia 24 ou no almoço do dia 25, rememoro cada um dos outros nove Natais com ele, na certeza das memórias que ficam e do poder que temos de fazer de cada Natal o primeiro, quando se trata de sentimento, vivência, construção e muito, MUITO amor.
Veja Também
Protagonistas: agora sim, o padrão de beleza está mudando nas novelas de TV
O racismo do algoritmo: como a rede pode reforçar preconceitos
Direito às origens: o encontro do filho adotivo com a família biológica
Julho das Pretas: para mudar o país onde só 3% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres negras
PL do aborto: por que a adoção não é justificativa para a gestação, em caso de estupro