Terminei a temporada no teatro e, logo depois que se encerra uma peça como aquela, ou um trabalho que parece nunca terminar, faço uma lista de promessas parecidas com as que são feitas no Ano Novo. Quando a tarefa interminável termina, listo as promessas impossíveis de cumprir só para que, no primeiro dia do ano, eu possa quebrar com todas elas e dizer a mim mesma, em uma espécie de autoengano para aliviar a culpa cristã que carrego por ter tido uma educação religiosa e estudado em colégio de freiras até a quinta série, que o ano só começa e definitivamente se inicia no dia 2.
Dentre esses compromissos estava o mais clichê de todos que alguém pode assumir depois de uma sequência exaustiva de trabalho: cuidar de mim. Isso incluía uma lista de alimentos saudáveis, exercícios físicos diários durante pelo menos um hora – sempre contando com no mínimo 20 minutos de aeróbico e uma sequência de musculação, além de voltar a praticar ashtanga yoga pelo menos três vezes na semana até se tornar um vício tão saudável que um dia sem aquela sequência religiosamente repetitiva ficasse impossível. O que não me dei conta é de que, nesse mesmo mês, começariam as férias escolares, e o meu tempo, que já é curto, se tornaria mínimo, pois preciso ocupar o dia de uma criança de nove anos com atividades ao ar livre que não sejam relacionadas às telas. Dito isso, jamais conseguiria cumprir a promessa feita e o que vem acontecendo é que de fato todos os dias eu acordo, coloco a roupa de academia e fico com ela sem uma gota de suor até chegar a noite.
A culpa certamente não é da minha filha, e a procrastinação se deve a uma característica intrínseca à minha personalidade que facilmente se distrai com mil coisas “no meio do caminho” e o trajeto da academia vai ficando cada vez mais longo à medida em que acho interessantíssima a forma como a cultura do k-pop faz com que minha filha decore coreografias super complexas cantadas em coreano. Língua essa que ela começou a estudar e agora já consegue dar bom dia, dizer olá, tudo bem? e trocar ideia com as amigas sobre os significados das palavras tentando diferenciar as mil entonações que uma vogal pode ter.
Quando li aquele livro “Cartas Extraordinárias”… (mentira! Não li o livro porque não é um livro que se lê mas se consulta de tempos em tempos) … influenciada pela linda carta que Scott Fitzgerald escreveu para sua filha Scottie, prometi à mim mesma que escreveria uma carta por dia para minha filha, ou melhor, um email. Isso ficaria registrado para que ela pudesse guardar como um caderno de memórias já que, ao contrário do que aconteceu comigo, gostaria que ela tivesse uma memória viva da sua infância. As minhas lembranças são tão poucas que não sou capaz de lembrar de quase nada além de eventos traumáticos como uma foto em que estou chorando com a boca aberta.
Não era uma promessa impossível de cumprir, mas acabei me confundindo um pouco porque esqueci a senha do email, e depois achei melhor escrever no bloco de notas, para daí então achar “perfeito” anotar tudo em um outro aplicativo que também permitia notas em áudio, porém a escrita foi ficando tão pessoal e terapêutica que começou a se configurar numa espécie de suspense autobiográfico. Por fim, achei melhor abandonar a promessa e não traumatizar minha filha.
Agora estou aqui, escrevendo esse texto, com a roupa de academia impecável às 22h e o melhor que poderia fazer é parafrasear Fitzgerald com a seguinte lista editada que também poderia servir para minha filha, ops, para mim!
Coisas com que você deve se preocupar:
Preocupe-se com a coragem
Preocupe-se com a limpeza
Preocupe-se com a eficiência
Preocupe-se com a equitação
Preocupe-se com…
Coisas com que você não deve se preocupar:
Não se preocupe com a opinião dos outros
Não se preocupe com bonecas
Não se preocupe com o passado
Não se preocupe com o futuro
Não se preocupe com crescer
Não se preocupe com alguém passar na sua frente
Não se preocupe com o triunfo
Não se preocupe com o fracasso, a menos que a culpa seja sua
Não se preocupe com mosquitos
Não se preocupe com insetos em geral
Não se preocupe com pais
Não se preocupe com meninos
Não se preocupe com decepções
Não se preocupe com prazeres
Não se preocupe com satisfações
Coisas em que você deve pensar:
O que eu desejo realmente?
Dito tudo isso concluo que antes de voltar a fazer uma lista o mais correto seria eu me perguntar: O que eu desejo realmente?
Obrigada, Fitzgerald.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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