O tráfico de pessoas é o resultado do fracasso de nossas sociedades e economias, ao não conseguir implantar políticas públicas eficientes e capazes de proteger os mais vulneráveis. A covid-19 colocou o mundo em xeque, evidenciando desigualdades abissais que estão na raiz da escravidão contemporânea. Em tempos de pandemias, desastres naturais, guerras e catástrofes em geral, as pessoas em situação de vulnerabilidade ficam ainda mais desprotegidas e expostas à ação de aliciadores, que as seduzem com falsas promessas de emprego, garantias de melhor qualidade de vida e perspectivas de futuro.
Com a finalidade de exploração sexual comercial, trabalho escravo ou comercialização de órgãos, o tráfico de pessoas gera superávit econômico para o mundo do crime organizado. Vivendo em escassez, sem condições de superar desafios impostos pela globalização, normalmente associados às formas mais insidiosas da violência, milhares de pessoas se submetem a vender desde partes de seus corpos, ou até seus corpos inteiros, para mercados globais de órgãos. Também oferecem seus filhos para serviços sexuais e outras explorações que deixam cicatrizes permanentes. A escravidão contemporânea é uma mácula no mundo globalizado.
Segundo a Organização das Nações Unidas, a lucratividade financeira do tráfico de pessoas já se equipara ao tráfico de drogas e armas. O número de pessoas traficadas no planeta atinge a casa dos 2,5 milhões, movimentando 30 milhões de dólares anualmente. O Brasil é um dos países campeões no mundo em relação ao fornecimento de seres humanos para o tráfico internacional. Trata-se de uma epidemia esquecida no século 21.
Os criminosos não perderam tempo em ajustar seus modelos de negócio frente às novas rotinas criadas pelo coronavírus, especialmente pelo uso e abuso da Internet, celulares e redes sociais. Na mesma velocidade das mídias sociais o crime organizado avança e se fortalece, fincando rapidamente seus tentáculos no vácuo deixado pelo Estado.
Apesar de ter avançado no campo da elaboração da política e de três planos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas, o Brasil não consegue produzir relatórios oficiais referenciados por dados científicos, capazes de mensurar a dimensão do crime que “coisifica” pessoas, transformando-as em objetos de consumo. As políticas públicas não podem ser efetivadas devido à ausência de orçamentos que limitam o desenvolvimento de ações preventivas, repressivas e de proteção às pessoas vitimadas.
Sem embargo, as políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas devem estar constituídas por preceitos centrais para efetivação de uma cidadania plena, fundada na garantia de igualdade e no acesso aos direitos básicos e humanos. Por isso é fundamental que tais violações sejam denunciadas. O Governo federal conta com dois canais: o Disque 100 e o Ligue 180. A omissão da sociedade também fortalece essa cadeia criminosa. Denuncie.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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