Há alguns anos ficávamos espantados ao ver milhares de japoneses usando máscaras no dia a dia para circular em cidades muito poluídas.
Depois veio a pandemia de Covid 19 e usamos as máscaras para nos proteger e proteger os outros de possível contaminação pelo vírus. Mas assim que o perigo mais iminente passou deixamos de usá-las, aliviados.
Agora os especialistas em saúde estão recomendando que as usemos de novo, por causa da fumaça e da fuligem do fogo que está queimando as florestas de nosso país. As estradas e cidades de vários estados estão tomadas pela fuligem, nem conseguimos mais ver o sol, que dirá as estrelas. Até o final de agosto o Brasil registrou 224 mil km de incêndios e o país concentra, neste mês de setembro, 76% das áreas afetadas pelo fogo na América do Sul (www.agenciabrasil,ebc.com.br em 10/09/2024).
Estamos todos sofrendo os efeitos: jovens, idosos, bebês. Os prontos-socorros estão às voltas com as síndromes respiratórias, agravadas pelo fenômeno. Com a chegada de uma frente fria neste domingo, 15 de setembro, em algumas regiões do país, como o norte e nordeste de São Paulo, a fuligem do ar encontrou as nuvens e caiu a chamada “chuva preta” – que acontece quando a água da chuva cai carregando a imensa poeira do ar, proveniente das queimadas.
Mas o uso de máscara e o mal-estar com a fumaça são apenas efeitos visíveis de questões mais complexas que podem afetar nosso viver e nossa saúde.
Vivemos em tempos de extremos, frio, calor, chuvas, enchentes que destruíram parte do sul do país, agora seca e os incêndios destruindo biomas. Sentimos o incômodo e as morbidades provocadas pela fumaça. Sentiremos logo a subida de preços nos mercados, provocada pela destruição das produções alimentícias. Lavouras e criações perdidas são grandes prejuízos que rebaterão nos preços dos alimentos. Mas há muito mais consequências de médio e longo prazos. Cinco dos sete reservatórios de água que servem a Grande São Paulo, por exemplo, estão abaixo da média. Já existem populações, em outras regiões do país, sem água potável, pois rios e mananciais secaram. Pessoas que perderam não apenas seu negócio, seu modo de vida, mas sua fonte de alimentação.
Estamos vendo que os governos federal, estaduais e municipais não estão preparados para dar respostas aos desastres socioambientais.
No Sul, além das forças federais e estaduais, milhares de voluntários acorreram para auxiliar. Nos incêndios é mais difícil, pois os riscos são ainda maiores. As brigadas de incêndio voluntárias são poucas, embora seu papel seja importante na prevenção e nos primeiros socorros. O combate ao fogo é complexo e especializado.
Na esfera nacional, o Corpo de Bombeiros Militares do Brasil é uma Força Auxiliar e Reserva do Exército Brasileiro. Nos 27 estados do país, o Corpo de Bombeiros, se subordina aos governadores estaduais, às suas Polícias Militares. Não há disponibilidade de um número de bombeiros e profissionais preparados para agir na escala que está sendo exigida neste momento e nem os materiais indispensáveis.
Na região onde moro, próxima a São Paulo, área de mananciais, há apenas um destacamento do Corpo de Bombeiros, gerido pelo governo estadual, para várias cidades. Estouraram incêndios simultâneos em diversas áreas e ficamos sem socorro, vendo a floresta ser consumida, animais morrendo queimados. Além disso, muitos dos incêndios estão ocorrendo em áreas de difícil acesso, exigindo mais equipamentos e cuidados.
O fato é que agora não é mais surpresa. Como os cientistas haviam alertado, os eventos extremos vão continuar a acontecer e em escala (vide relatórios do IPCC – (https://www.ipcc.ch; https://www.gov.br Mudança do Clima 2023 em pdf)). Além dos dados que eles próprios provocam há os efeitos colaterais, como problemas com a energia elétrica e falta de água potável.
Precisamos compreender e reagir, para não continuar a sofrer passivamente e assistir nosso futuro e o das nossas crianças e adolescentes a ir pelo ralo.
É preciso cobrar efetividade dos governos federal, estaduais e municipais, pois todos têm responsabilidades. Mas, além disso, precisamos compreender a magnitude do problema e as formas de enfrentá-lo, não apenas nas emergências, ou ficaremos o tempo todo correndo atrás dos prejuízos, que se avolumam e afetam todas as pessoas e não apenas os diretamente atingidos.
Especialistas nos dizem que é preciso estratégias de adaptação, de mitigação e a transformação do modelo econômico prevalente. (https://climainfo.org.br“ Não basta mitigar e adaptar, precisamos transformar o modelo…”, em 03/05/2024)
As medidas de mitigação são as que combatem diretamente o aquecimento global e que buscam controlar o aumento da temperatura do planeta, como, por exemplo, a redução de emissões de gases de efeito estufa por meio do controle do desmatamento, da destituição de resíduos sólidos, a substituição da matriz energética.
Medidas de adaptação dizem respeito aos ajustes necessários para reduzir os impactos da mudança do clima já instaladas e previstas, como, por exemplo, mudanças na produção agrícola, com adoção de soluções baseadas na natureza, a proteção das populações humanas e de outros seres vivos com maior vulnerabilidade às variações climáticas e a adaptação da circulação nas cidades e suas edificações.
Para ambas é necessário que a sociedade, as organizações e empresas façam a sua parte e os governos façam o que lhes cabe.
A questão de fundo, porém, é a transformação do modelo econômico, que não somente esbarra em grandes interesses como na visão ética da sociedade, que continua a apoiar a ideia de crescimento infinito, de prosperidade econômica irresponsável.
O modelo econômico é assentado na ideia do crescimento ilimitado – tudo o que interessa é o crescimento do PIB. Essa visão se fortaleceu muito no século XX. Olhamos para alguns países chamados desenvolvidos e ficamos loucos para alcançar o mesmo nível de conforto que o cinema e a televisão mostravam e nos incentivavam a consumir sua produção industrial – enquanto consumiam nossas commodities.
Esse modelo parte do suposto que o planeta é um mercado do qual podemos tirar tudo, sem parar e sem repor. Mas a natureza tem um tempo de reposição das riquezas que oferece ou se esgota. Além de aprofundar a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres, países e pessoas, essa prática levou a um modelo de produção e consumo que lança na atmosfera uma quantidade imensa de gases de efeito estufa, que desencadeou e continua acelerando o aquecimento global e a mudança climática.
Toda a população humana paga o preço desse modelo, mas é claro que os mais pobres, países e pessoas, sofrem mais e primeiro. Isso não é papo de comunismo, um fantasma que os interessados no modelo acenam para que a gente nem pense no assunto. É uma questão muito mais prática, que interessa a todos, à direita e à esquerda.
Exemplificando: mesmo que restaurada corretamente, uma floresta cortada vai demorar uma década para prestar os mesmos “serviços ambientais”: captura de CO2, litros de vapor na atmosfera, regulação da temperatura, alimentação… Simples assim. E não cabem soluções fáceis como plantar uma porção de arvores da mesma espécie, de crescimento rápido. Não funciona assim. Floresta é diversidade de vegetação e seres vivos e só assim ela pode oferecer suas riquezas.
Então, o que podemos fazer?
Talvez seja mesmo muito importante dedicarmos um tempo a entender mais sobre o assunto, já que trata-se da nossa vida. Vale ver vídeos, ouvir podcasts ou ler textos de especialistas, como do cientista brasileiro Carlos Nobre , buscando entender mais do que nos oferecem superficiais conversas pelas redes sociais, por onde passa muita desinformação.
Atenção ao voto.
Enquanto o Brasil incendeia, mais de 20 projetos de lei que tramitam hoje no Parlamento podem ser considerados Anticlima: ao invés de proteger, arriscam ainda mais nossa segurança climática. O Executivo fica falando sozinho, com planos que, muitas vezes, não saem do papel, ou demoram para surtirem efeitos (Lei 14.904 de 27 de junho de 2024, “Diretrizes para Elaboração de Planos de Adaptação a
Mudanças do Clima”). Por que acontece isso? Quais os interesses que estão nessa pauta?
Sendo um país federativo, os governos estaduais e municipais são igualmente atores necessários para fazer face à mudança climática.
Logo teremos eleições municipais. As prefeituras têm muito o que fazer em relação à mudança do clima. Além da importância da arborização e proteção dos mananciais, florestas e biodiversidade no seu território, é preciso que sejam analisadas as vulnerabilidades existentes nos bairros e grupos populacionais para a realização de ações efetivas e coordenadas, como alternativas de mobilidade urbana com energias renováveis, tráfego calmo, uso de bicicletas; cuidado especial à drenagem urbana para reduzir riscos de enchentes, alternativas para populações que moram em áreas de riscos, fiscalização efetiva de loteamentos e edificações, fortalecimento da defesa civil e gestões junto aos governos estaduais e federal para prover socorro rápido em caso de desastres, comunicação ágil com a população, muitas ações de prevenção, que passam pela segurança, saúde e educação ambiental e climática, nas escolas e comunidades, entre outras.
Seus candidatos a prefeito e vereador estão falando sobre mudança climática? Estão apresentando propostas sobre os riscos a que a sua população está exposta, sobre o que fazer em situações de inundação e incêndios, e, sobretudo, sobre as ações que eles se comprometem a realizar para prevenir e reduzir danos?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da IstoÉ
Veja Também
Maioria de novos apostadores em BETs é de mulheres: entenda a compulsão pelos jogos on-line
Como nos proteger das fake news? Dicas que podem nos ajudar antes de comprar um produto, ou uma informação
Retratos do Brasil: cresce número de bebês registrados sem nome do pai
Nobel de Economia defende fundo global e microssoluções para desafios da mudança climática
O Brasil está andando para trás? Entenda retrocessos que novos projetos de lei tentam impor