O exercício da paternidade é facultativo no Brasil, apesar de ser um direito da criança ter conhecimento sobre sua origem e obrigação do genitor sustentá-la financeiramente. Nos últimos cinco anos, quase 500 crianças são registradas por dia sem o nome do pai na certidão de nascimento, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).

Um ótimo pai é uma mãe comum

Depois que me tornei mãe, entendi que um homem, considerado um ótimo pai, exerce um papel igual ou pior que a maioria das mães. É urgente mudar essa cultura de que o papel dos cuidados paternos é um adereço, algo dispensável ou facultativo. Homens que não desejam exercer a paternidade só precisam abandonar o filho e ninguém vai questionar ou rechaçar sua decisão. Ele continuará sendo visto como um “homem de bem”, mesmo que não pague pensão, ou que não cuide do filho que ele mesmo fez. E qualquer mínimo cuidado que direcione na direção de seu filho será aplaudido e condecorado com o título de pai do ano.

Quem faz o que o pai não faz?

A conta não fecha. Se os homens, que têm 50% de responsabilidade por colocar uma pessoa no mundo, não arcam com seu papel, alguém pagará a conta dos cuidados que eles não oferecem. Segundo o IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as mulheres gastam 61 horas semanais em trabalhos não remunerados de cuidado, em média, enquanto homens gastam em torno de 7 horas. É quase 8 vezes mais! Costumo brincar e dizer que ser mãe é muito ruim, meu sonho é ser pai. Porque para ser uma boa mãe nada é suficiente, já que qualquer coisa que aconteça com a criança a sociedade pergunta: “onde está a mãe?” Não importa que você tenha cuidado de seu filho por anos, se algo acontecer, você não fez o suficiente e a culpa é sua

O que fazer para mudar?

 

Enquanto as mulheres aumentaram seu tempo dedicado ao trabalho remunerado, nas últimas décadas, os homens não aumentaram seu tempo dedicado ao trabalho doméstico. Sem equilíbrio nesta equação, não há possibilidade de mudanças. Cuidar não é uma ajuda, é obrigação de toda pessoa adulta, funcional e capaz.
Pesquisas sobre a primeira infância mostram que o cuidado paterno nesta fase da vida, que vai de 0 a 6 anos, está relacionado ao maior desenvolvimento cognitivo, menor incidência de comportamentos violentos, melhor desempenho acadêmico e desenvolvimento socioemocional. Segundo o relatório Situação da Paternidade no Brasil, do Instituto Promundo, de 2016, o problema começa ainda no início, quando a compreensão social de que a gravidez, o parto e o cuidado de crianças são “assuntos femininos” representa um dos maiores obstáculos ao envolvimento dos homens. A irrisória licença paternidade de 5 ou 20 dias é uma das principais barreiras, quando o assunto é política pública de incentivo à responsabilização dos homens nos cuidados parentais.

A paternidade pode ser uma oportunidade

Segundo o relatório sobre paternidade do Instituto Promundo, a participação dos homens na família, enquanto cuidadores, de forma responsável e não violenta, é positiva para os próprios homens. Pesquisas realizadas na África do Sul e no Brasil sugerem que os homens com baixa renda, jovens e solteiros, em cenários caracterizados por elevados índices de violência, adotam, por vezes, comportamentos mais pró-sociais depois do nascimento de filhos e filhas. Além disso, um estudo do Instituto Sueco de Saúde Pública revelou que os homens que escolheram usufruir de 30 a 60 dias da licença paternidade reduziram em 25% o risco de mortalidade precoce, se comparado com outros homens que não usufruíram da mesma licença.
A paternidade pode ser uma oportunidade ímpar para se questionar os papéis rígidos e tradicionais de gênero, de busca por uma identidade masculina saudável e cuidadora. Cuidar aumenta os vínculos com as pessoas ao redor, abre espaço para expressão de emoções e sentimentos e permite que os homens repensem o lugar desumanizado da masculinidade, que os coloca na posição de precisar proteger e defender outras pessoas, sem direito à vulnerabilidade ou conhecimento de si mesmo.
* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.