Primeira CEO do setor calçadista, Cristine Grings conduz nova fase da Piccadilly

Executiva aposta em internacionalização, inovação e maior presença feminina na liderança

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Cristine Grings comanda a Piccadilly, marca presente em mais de 100 países Foto: Divulgação

Cristine Grings Nogueira faz parte da terceira geração da família fundadora da Piccadilly, marca de calçados criada há mais de 70 anos no Rio Grande do Sul. Quando assumiu a presidência, há uma década, tinha apenas 34 anos e se tornou a primeira mulher a ocupar o posto de CEO não só na empresa, mas em todo o setor calçadista brasileiro. O desafio foi duplo: consolidar a sucessão familiar e provar sua capacidade de gestão em um ambiente historicamente masculino.

“Na época, muitos parceiros duvidaram da nossa competência. Havia o temor de que a empresa não resistisse à transição. Tivemos que mostrar, com resultados, que era possível”, relembra. Hoje, além dela, outras três mulheres compõem a diretoria da companhia, que mantém forte presença feminina em cargos de liderança.

Em 2024, a Piccadilly alcançou um faturamento de R$587 milhões, consolidando-se como uma das líderes no segmento de calçados femininos no Brasil. Para 2025, a projeção é de crescimento de 16%, atingindo R$680 milhões em receita e a produção de mais de 9,4 milhões de pares, um salto de 15% em relação ao ano anterior. O resultado é fruto de uma estratégia que alia inovação e proximidade com a consumidora.

O estilo de gestão de Cristine combina performance com cuidado humano. Ela reforça que seu papel é “transformar um sonho individual em um sonho coletivo”. Esse olhar é herdado do avô fundador, que sempre valorizou o impacto social dos negócios. “Acreditamos que pessoas felizes e motivadas entregam os melhores resultados”, resume.

Pandemia e expansão

O setor calçadista foi um dos mais afetados pela pandemia e a Piccadilly enfrentou um período de forte retração. Na época, a empresa fechou a fábrica na cidade de Santo Antônio da Patrulha e encerrou as atividades do setor de costura na matriz em Igrejinha, ambas no Rio Grande do Sul, resultando em 400 demissões. Contudo, a empresa transformou a crise em ponto de virada. Investiu em reengenharia de produtos, reposicionamento de preços e em linhas voltadas ao público jovem. “A pandemia acelerou a busca por bem-estar e conforto, e aproveitamos esse movimento para fortalecer nossa presença no mercado”, diz Cristine.

O alcance internacional da marca reforça esse movimento. Atualmente, a Piccadilly está presente em mais de 100 países, com 7 mil pontos de venda no exterior. São 31 lojas licenciadas e 29 exclusivas, com a meta de chegar a 52 unidades internacionais nos próximos anos. O mercado externo representa 35% da produção anual e tem no Oriente Médio um de seus principais polos de crescimento, além de figurar entre os dez maiores mercados em países como Argentina, Bolívia, Israel, Chile e Coreia do Sul.

Tradição e inovação

Conciliar legado e modernidade é um dos maiores desafios da CEO. Agora, a empresa aposta no conceito “Viva em movimento, viva confortável”, ressignificando o conforto que ajudou a criar nos anos 1990. Para marcar essa nova fase, escolheu Carolina Dieckmann como rosto da campanha de reposicionamento. “Ter cultura de startup em uma empresa de 70 anos é um exercício diário. Correr riscos é desafiador, mas não correr é ainda mais perigoso”, afirma Cristine.

No mercado interno, a Piccadilly mantém presença em mais de 21 mil pontos de venda entre franquias, lojas exclusivas e multimarcas. A estrutura da companhia inclui duas unidades fabris (Teutônia e Rolante), uma sede corporativa e dois centros de distribuição, no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo. O quadro de 2.500 colaboradores reflete a dimensão da operação.

Cristine lembra que a Piccadilly foi pioneira em um movimento que mais tarde se tornaria regra no setor. “A Piccadilly foi precursora na criação da categoria de conforto na década de 90. Imagina isso: hoje em dia, conforto virou premissa básica, mas naquela época não se falava em calçado de conforto. Desenvolvemos um produto com essas características e foi um oceano azul para o nosso negócio. A empresa cresceu muito e começamos a exportar porque era um produto realmente único”. Desde então, o conceito de conforto passou a orientar não apenas o posicionamento da Piccadilly, mas também a evolução do setor calçadista como um todo.

Liderança e equidade

A valorização da mulher é um dos pilares da gestão. Projetos como Encoraja Elas, voltado para preparar trabalhadoras do chão de fábrica para cargos de liderança, e Acelera Elas, direcionado a jovens profissionais do ambiente corporativo, fazem parte dessa agenda. A Piccadilly também recebeu o selo Women on Board (WOB), pela presença de mulheres em seu conselho.

A equidade de gênero é um diferencial competitivo da empresa. Atualmente, 37% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, assim como 58% da diretoria e 60% do quadro de colaboradores. Nos últimos meses, nove mulheres foram promovidas a posições de liderança, resultado direto dos programas de capacitação. A empresa ainda integra o Movimento Elas Lideram 2030, do Pacto Global da ONU, com o compromisso de atingir paridade de gênero em cargos de gestão até o fim da década.

“Não se trata de levantar bandeiras, mas de promover oportunidades reais. Nosso papel é encorajar e preparar mulheres para que possam assumir posições de liderança e transformar a indústria”, defende a executiva.

A sustentabilidade também é um pilar forte na empresa. A Piccadilly foi precursora no uso de materiais sintéticos de alta tecnologia em substituição ao couro e mantém hoje o selo Origem Sustentável nível diamante, o mais avançado do setor. O comitê interno Guardiões do Amanhã coordena iniciativas ambientais e sociais para integrar sustentabilidade ao negócio.

Cristine deseja ser lembrada como uma líder capaz de transformar vidas, dentro e fora da empresa. “Nosso propósito é esse: impactar positivamente as pessoas. Se conseguirmos inspirar outras lideranças a fazer o mesmo, estaremos cumprindo nossa missão.”

O futuro da Piccadilly, resume a CEO, está ancorado em dois eixos: internacionalização e inovação. “Nosso desafio é equilibrar propósito e performance. Crescer sem perder a essência é o que vai garantir os próximos 70 anos.”