Princesas da Disney ainda moldam perspectivas de gênero, trabalho e autonomia

A evolução das personagens da Disney reflete transformações na representação feminina e pode influenciar a forma como meninas percebem independência e o papel social da mulher

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oje, as princesas mais recentes do estúdio - desde Merida até Moana - seguem caminhos próprios, sem qualquer par romântico. Foto: Flickr/ Insidethemagic

Desde que Branca de Neve chegou aos cinemas em 1937, as princesas da Disney marcaram gerações e ajudaram a moldar o ideal de muitas meninas sobre amor e seus objetivos. Durante décadas, elas sonharam com castelos, beijos e príncipes encantados. Hoje, no entanto, essas histórias parecem seguir outro caminho: princesas que salvam a si mesmas, enfrentam desafios e questionam o próprio destino. Mas será que essa transformação é realmente tão profunda quanto parece?

É essa a pergunta que moveu a psicóloga Carla Mikulski, autora de Para Além dos Contos de Fadas: Princesas e Gênero sob o Olhar de Adolescentes, publicado pela Editora Appris. Em sua pesquisa, Mikulski convidou adolescentes a reagirem a trechos dos clássicos da Disney, observando o que se transformou e o que, apesar de uma nova roupagem, seguia intocado.

A pesquisadora estudou adolescentes de 13 a 17 anos, analisando não apenas a forma como as meninas se relacionam com as princesas da Disney, mas também como interpretam as mensagens transmitidas pelos filmes: “Elas notam questões de passividade, cuidado, aventura e resolução de problemas. É interessante ver como internalizam essas mensagens de forma diferente, dependendo do contexto familiar e social em que vivem”, explica. 

Evolução ou adaptação?

Branca de Neve limpava o castelo enquanto esperava ser escolhida por um príncipe. Ariel trocou a própria voz por amor. Cinderela era recompensada por sua docilidade. Hoje, as princesas mais recentes do estúdio – desde Merida até Moana – seguem caminhos próprios, sem qualquer par romântico. 

À primeira vista, parece uma revolução. Mas Mikulski alerta: “A mudança é, em parte, estratégica. A Disney precisou atualizar suas narrativas para continuar atraente; isso não significa que tenha se tornado realmente feminista”, diz. 

Essas narrativas alimentaram durante anos o motor da Disney: o filme Cinderella (1950), por exemplo, permitiu ao estúdio continuar produzindo filmes ao longo dos anos 50. Os lucros do filme, mais as receitas de música, publicações e merchandising, deram o fluxo de caixa necessário para financiar uma série de produções (animadas e live‑action), estabelecer sua própria distribuição, entrar na televisão e começar a construir a Disneyland. 

Sendo assim, essas histórias tiveram que ser adaptadas conforme novos interesses surgiam por parte da sociedade. Nos anos 1990, personagens como Ariel (A Pequena Sereia) e Bela (A Bela e a Fera) trouxeram uma virada: a curiosidade intelectual e o desejo de explorar o mundo passaram a fazer parte das histórias, mas ainda dentro de uma lógica centrada no amor romântico. 

Nos anos 2000, a Disney passou a retratar princesas mais independentes, reflexo direto das discussões sobre igualdade que começaram a ganhar espaço. Tiana, de A Princesa e o Sapo, sonha em abrir seu próprio restaurante; Merida, em Valente, recusa o casamento arranjado; Elsa, em Frozen, se torna rainha sem a ajuda de nenhum homem. 

Por mais que a narrativa tenha se modificado, Carla observa que ainda há limites:  “Mesmo Mulan ou Moana, que são heroínas, dependem de personagens masculinos para resolução de conflitos. E em Valente, por exemplo, os homens são retratados de forma quase abobalhada, enquanto as mulheres são fortes, o que mantém uma dicotomia de gênero”, acrescenta. 

A representatividade nas animações

A pesquisadora também destaca o impacto das princesas negras e não eurocêntricas, como Tiana e Moana. “É positivo que elas tenham ambição e autonomia, mas há limitações na representação. A Tiana, por exemplo, passa boa parte do filme transformada em sapo. Há escolhas culturais e narrativas que ainda não oferecem equidade real”, diz. 

No caso da Tiana, ela é a quinta princesa com mais tempo de tela, fazendo parte de 45,67% do filme. Porém, em 84% ela aparece como sapo. Decisão questionável dado que ela foi a primeira, e única, princesa negra da Disney. Esse padrão segue com os outros dois protagonistas negros do estúdio: Joe Gardner, do filme Alma, e Lance Sterling, de Um espião animal, que se tranformam em uma bolha azul e em um pombo, respectivamente. 

A pesquisadora destaca que o impacto dessas representações é mais complexo do que aparenta: “Quando é direto, a gente até tem poder de questionar mais facilmente, mas quando corre pelas beiradas, fica mais difícil, especialmente para crianças e adolescentes que estão internalizando essas mensagens”, explica.