Da mesma forma que normalizamos tanta coisa, fomos ensinados sobre o que era ser belo. E beleza, por séculos, sempre foi sinônimo de branquitude.

Se, de um lado, branco remetia à beleza, pureza e bondade, negro sempre foi sinônimo de feio, mau, errado.

A cantora Bruna Black, em sua música “Meu Mantra”, canta: Nas fases/ Quando imatura/ A rejeição que ignorei/ Pra hoje me sentir segura/ E gostar de mim/ Eu sei que sempre fui bonita/ Mas tudo dizia que não/ Sem me enxergar na revista ou televisão.
O psiquiatra e filósofo político Franz Fanon traz de forma mais brutal um raciocínio parecido. O negro é o animalizado. É o feio, aquele que causa medo, repulsa.

Heróis, príncipes, princesas, modelos em propagandas e, claro, protagonistas de novela – em todos eles, normalizamos um padrão de pele clara, cabelos lisos, traços finos e de preferência olhos claros. Tudo o que fugisse dessa regra seria qualquer coisa, menos belo.
“Exótica”. Este era o adjetivo utilizado para definir Taís Araújo quando, em 2009, viveu um dos papéis mais icônicos da teledramaturgia brasileira – Helena, de Manoel Carlos, na novela Viver a Vida, atualmente em reprise pelo canal Viva.

Quinze anos se passaram desde aquela Helena revolucionária, para assistirmos outro movimento chamar a atenção nas telenovelas atualmente em exibição no maior canal da TV aberta brasileira.

Três novelas, três nomes de destaque: Duda Santos, Gabz e Jéssica Ellen. Os rostos mais vistos pela audiência de entretenimento da TV aberta são atualmente de mulheres negras. Protagonistas. É, acima de tudo, uma grande quebra de paradigma.

Estudos como a tese de doutorado do economista Michael França, defendida na USP (Universidade de São Paulo), no ano de 2020, sob o título “Fecundidade, identificação racial e desigualdade”, apontam que, mais do que entretenimento, a divisão de entendimento entre o “feio” e o “bonito”, entre a mocinha e a empregada doméstica, a protagonista ou a figurante de uma novela, influenciou, entre os anos de 1980 a 2000, a decisão de pais, especialmente em relacionamentos inter-raciais, no momento da declaração de cor de pele de seus filhos.

A falta de representação positiva de personagens negros teria, segundo o estudo, contribuído para a internalização de atitudes e preconceitos raciais.

Como consequência, o embranquecimento na classificação dos filhos seria um instrumento de proteção contra as desvantagens associadas à identidade negra em uma sociedade racialmente estratificada.

Na sociedade brasileira considerada de forma ampla, ser mulher e negra ainda significa estar na base da pirâmide social. E afastada do padrão ideal de beleza pensado, por décadas, para uma protagonista, especialmente de telenovelas com recordes de audiência nos canais de TV aberta.

Pois, ao que parece, os estereótipos pré-concebidos começam a ceder espaço para que outras belezas apareçam. Não no lugar de menos importância. Com protagonismo. Com força. Entregando o recado às mais de 60 milhões de mulheres negras do Brasil: vocês são dignas desse lugar! São, sim, muito bonitas.

Bruna Black, você tinha razão. Sempre foi bonita, apesar de tudo dizer que não. E agora pode, além de carregar essa certeza, se enxergar em rostos como de Duda Santos, Gabz e Jéssica Ellen e outras tantas que ainda estão por vir.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da IstoÉ